Stephen Kanitz
Eu odeio ter de ligar para o meu cartão de crédito, para o meu provedor de serviços telefônicos, para o meu provedor de celular e para a grande maioria das empresas que têm mais de 3.000 funcionários, mas não têm como contratar uma única telefonista. São empresas que dizem prezar o "relacionamento" com o cliente e começam com uma gravação que, sem um bom-dia sequer, vai logo ditando ordens e instruções.
"Se você é cliente com conta atrasada, disque 1. Se você é empresa jurídica, disque 2. Se você é um novo cliente, disque 5. E, se não for nenhuma das alternativas acima, dane-se!" Meus problemas começam aí, porque infelizmente comprei um Euroset da Siemens, que possui tudo que é tecla, menos a tecla “tone”, e aí preciso sair correndo usar o Panasonic do meu vizinho.
Eu sempre começo discando o 5, na suposição de que irão tratar melhor um cliente em potencial do que um cliente antigo. Ledo engano, logo me transferem para um departamento chamado "Todos os nossos atendentes estão ocupados".
Durante a longa espera, uma gravação pede: "Favor digitar o número do seu cartão de crédito, o número do seu protocolo de reclamação, o seu CEP, CPF e RG, bem como o nome completo de solteira da sua mãe". Só que a primeira voz humana que aparece pede para eu repetir tudo novamente. Quem manda obedecer a uma gravação? Pior é quando uma empresa telefônica pede para digitar o número de seu telefone e DDD. Se nem a sua própria empresa de telefonia sabe o seu número de telefone, você está na empresa errada.
Não desperdice o valioso tempo do atendente reclamando dessa hora de espera perdida. Você só tem cinco segundos, lembre-se de que o tempo precioso é o DELE, e é melhor usar os segundos para fazer a reclamação que realmente precisa ser feita. Passou do tempo, a linha cai. Apesar de eles terem o seu número de telefone no cadastro, jamais telefonarão de volta. Eles simplesmente não têm tempo para isso, o desocupado nessa história é você. Na sua nova ligação nem tente solicitar ser atendido pela mesma pessoa que já sabe o seu CPF e RG, porque não transferem.
O tempo precioso, repito, é o deles, e já estão atendendo outra ligação. O que a maioria das pessoas não sabe é que você nem sequer está conversando com um funcionário da empresa que lhe presta serviços. Você está conversando com uma empresa especializada, terceirizada, que pesquisou anos a fio a melhor forma de tratar você. É o melhor que eles conseguem. Não adianta pedir para falar com o presidente da empresa, porque eles estão a quilômetros de distância, e de propósito. Você é tão insignificante que falar com você foi considerado um serviço não essencial, por isso você foi terceirizado para uma outra empresa.
Lembre-se de que o atendente e seu supervisor já ouviram todo tipo de desaforo possível antes de você disparar os seus. Eles são totalmente imunes. Todos já ouviram coisas muito piores do que as que você jamais seria capaz de dizer, e você só estará aumentando a sua pressão arterial à toa. Ultimamente eu tenho tido mais sorte ligando para o departamento de acionistas do que para o departamento de atendimento ao cliente. Dou um número de acionista qualquer e comento o que pretendo dizer na Assembléia dos Acionistas sobre a não-solução do meu problema. Como muitos presidentes dessas empresas estão mais preocupados com suas stock options do que com seus clientes, tratarão melhor você como acionista do que como cliente.
Em vez de ameaçar cancelar o serviço, que é outra via-crucis que poucos conseguem completar, ameaço escrever a todos os analistas de bolsa que acompanham os papéis da empresa, recomendando que vendam as ações de companhias que nem se importam em dizer "alô" a seus clientes. Não adianta ameaçar "ir para a imprensa". O tratamento é exatamente igual. O que funciona é ameaçar ir para a próxima reunião da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais, a Apimec. Aí, eles tremem na base.
O pior é que no futuro tudo isso só vai piorar. Essas empresas de telemarketing serão um dia substituídas por outras de bem mais longe, em Goa, na Índia. E ficaremos felizes em ser recebidos com sotaque português. No fundo, você é feliz e não sabe. Você simplesmente não imagina o futuro que nos espera.
Stephen Kanitz é formado pela Harvard Business School (www.kanitz.com.br)
Revista Veja, Editora Abril, edição 2004, ano 40, nº 15, 18 de abril de 2007, página 22
3 comentários:
Dia desses encerrei texto no meu nosso blog afirmando estar o Brasil perdido. Recebi comentários, todos muito solícitos e queridos mas com aquele jeito assim de que não é bem assim. Pois aí está relato que vem de encontro ao que quis dizer. Não é possível suportar tanto abuso dessa gente que deita e rola sobretudo na graçca da famosa concentração de renda, para não dizer do poder.
Cadinho RoCo
Para o mundo que eu quero descer cara!
elisabete cunha
Olá!!
Vim dar o ar da graça por aqui!
Eu acho que vc deveria colocar uma sexóloga em seu blog....rs
Isso aqui já está virando um cabide de empregos!!
Bjs
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