lobo e lua

lobo e lua

19.7.09

Café e Bar Ponto Chic


Chico PF
(Francisco Paula Freitas)

– Lalau é o escambau, que eu não afanei nada de ninguém. Fico aqui o dia inteiro, dando duro no batente, vendendo meu capilé, trabalhando como um desgraçado, toda hora tendo que espalhar serragem pelo chão, que nunca vi gente tão porca, cospem pra todo lado, e você, que não sai desse bem-bom, ainda vem dizer que aquele pau-d’água falou que eu malhei a cara-metade dele na despesa? Não sou nenhum santinho do pau oco, mas isso eu não fiz e nem faço. Cuidado comigo que hoje eu amanheci de ovo virado.

— Calma, as coisas não são bem assim. Você precisa morigerar. Só porque dá duro pra caramba e no final do dia fica esfalfado do lesco-lesco, não tem o direito de apresentar uma conta fajutada. Você não pode fazer isso. Principalmente com uma mulher desacompanhada. Ele me contou tudo, tintim por tintim. Disse que ela está amuada contigo.

— Que papo é esse, rapaz? Parece que você tá com a cachorra. Tem procuração para defender esses pilantras? Não deve ter e, pelo que vejo, também não está acreditando no que eu digo. Eu não gosto de disse-me-disse, mas é bom ficar sabendo: se há um vivaldino nessa história, não sou eu que fico aqui me estuporando e sim aquele pé-de-chinelo, que vive ao deus-dará e se intitula dono da sirigaita. Ele não se manca, deixa a mulher ficar batendo perna por aí, vir ao bar sozinha e depois vem demandar. O que você não sabia e fica sabendo agora é que ele larga ela por aí, pela rua da amargura, mas vive fazendo reclame. Diz que ela é da pontinha, que tem it, que é avançada, que nem combinação e porta-seios usa. Quer saber? Desconfio que ele até manda ela se virar. Pinta de marafona ela já tem, e de sobra...

— Tome tenência, rapaz, ele não é o três com goma que você está pensando. O homem é valente. Falou que amanhã, quando vier tomar a média com canoa na manteiga, não vai nem querer ouvir você pedir penico. Se continuar assim, você vai é viajar para a cidade de pés juntos. Eu, no seu lugar, ia preparando umas batidas e uns salgadinhos para o gurufim.

— Eu, hein, rosa, sai pra lá! Valente coisa nenhuma, lugar de valente é na linha de frente. Tu pensa que eu tenho medo daquele pau-de-virar-tripa? Não tenho, e te adianto: se ele ficar com esse parangolé de otário, neguinho ainda leva a devassa que ele diz que é dele, de vez. Mas isso não me interessa, eu sou comerciante e quero é o meu. Não sou da laia deles, não vivo de me-dá, me-dá e o que vem de baixo não me atinge. Se aquela bola maltravada, aquele caixão sem alças, aquele pirilampo vier aqui, não me pagar e me desacatar, não vai ter jeito, dou-lhe uma bifa, a groselha vai escorrer pela cara e ele vai ter que recolher o chinelo charlote e se picar. Com as perninhas de saracura e aquele andar de gabiru, não vai dar para ir muito longe... Gurufim, se tiver, não vai ser para mim. Você, que é amigo dele, pode ir fazendo a vaquinha...

— Tu tem que cobrar é dela, rapaz. O cara não tem culpa; a mulher contou pra ele o que houve. Disse que você ficou falando só safadeza, tirando onda e se exibindo. Quando viu que ela te dispensou, aí você forçou a mão no lápis...

— Nada disso, dispensar coisíssima nenhuma, quando eu apresentei a dolorosa, a jabiraca é que veio com o papo de que estava tesa, que sustentava ele e ainda por cima morava longe, em uma meia-água de telha-vã e coisa e loisa. Pra você ter uma idéia, só de croquete, a doidivana e a mocoronga, amiga dela, por sinal, um peixão, ô mulher bem apanhada, comeram mais de oito! Eu senti a cascata, porque logo depois de armar o charivari, ela amansou e engrenou uma de que lá pras suas bandas tinha um arrasta-pé para pé-de-valsa nenhum botar defeito. Disse isso, dando a entender que eu aparecesse um dia. Não sou metido à besta, mas no ar, eu senti que a coisa era chinfrim. Ela percebeu e emendou um lero, dizendo que realmente o bate-coxas podia não ser para um magnata do meu tope, que era longe, mas mesmo assim, ela mandaria o convite e que muito malandro gostaria de receber um erreéssevepê desses. O baile era bom, tinha muita pastora, muita cabrocha, se insinuou e fez o jeito. Ela era mesmo uma jambete de não se jogar fora... Mudei de idéia. Percebi o jogo forte, vi que ela, no duro, era da gandaia, da pá-virada e cheguei a pensar em dar um bordejo lá. Era só aparar o bigode, mandar o jaquetão para o tintureiro, dar um brilho no pisante, jogar uma brilhantina no curto-cheio, fazer um laço triângulo, e... olha lá o bacana.

— O que você está me dizendo? Quer dizer que você passou mesmo a cantada na mulher do Braz? Cruz-credo, você tá é doido, rapaz! Pensa que ele é bocó? Ele é perverso. Eu acho que você vai mesmo é pro beleléu...

— Doido, eu? O que eu quero é o meu dinheiro! Ela deixou vinte, mas eram trinta e sete mangos. Na lona ela não estava nem está, pois no dia, você precisava ver, veio toda aprumada, uma belezoca. Vestido rabo-de-peixe, uma sandália de amarrar na perna com salto Anabela, além de muito bem pintada de pancake, ruge e ciliom. Tinha uns brincos grandes de argola, tipo cigana, e um cordão folheado a ouro com um camafeu pingente com o retrato do filho, coitado do menino. Para completar, e enlouquecer qualquer cristão, trescalava fragrâncias de Seiva de Mutamba, sabe lá o que é isso? Mas se desse mato não sair coelho, da parte da bruaca ou do pé inchado, eu não vou ficar aqui bancando o paspalhão, eles que guardem o de baixo. Se ficar na saudade, vou querer tirar uma casquinha, porque, pensando bem, ela está longe de ser um estropício. A morena é tranchã, é do balacobaco; não chego a dizer que minha mãe a quereria para nora, mas se ela parar com os fricotes, aparecer aqui de novo com aquela maldita sandália e me der bola outra vez, garanto que de um jeito ou de outro vou buscar o meu. No prejuízo não vou ficar...

Publicado em "Café e Bar Ponto Chic" - Editora Bertrand Brasil

11.7.09

Reflexões mais ou menos filosóficas

O amor é como capim: você planta e ele cresce. Aí vem uma vaca e acaba com tudo.

Como é difícil se livrar de uma mulher fácil.

Li que fumar fazia mal, então parei de fumar... Li que beber fazia mal, então parei de beber... Li que comer gordura fazia mal, então parei de comer... Li que sexo fazia mal, então parei de LER!

O casamento é uma carga tão pesada que para carregá-la são necessárias duas pessoas, e, às vezes, três.

No Brasil, se o feriado é religioso, até ateu comemora.

A mata é virgem porque o vento é fresco!

Toda ideia revolucionária provoca três estágios:
1º: É impossível, não vou perder meu tempo
2º: É possível, mas não vale o nosso esforço
3º: Eu sempre disse que era uma boa ideia

Fases de certos projetos:

Entusiasmo - Desilusão - Pânico - Busca e punição dos culpados - Glória aos não participantes

Seja qual for o defeito do seu computador, vai desaparecer na frente de um técnico, retornando assim que ele se retirar.

Se ela te dá bola, é feia. Se é bonita, tá acompanhada. Se tá sozinha, você tá acompanhado.

Quase todo o exame final que você prestou foi baseado na única aula que você perdeu, baseada no único livro que você não leu.

A luz no fim do túnel é um trem vindo na sua direção.

A fila do lado sempre anda mais rápida.

Se você está se sentindo bem, espere um pouco: isso passa.

Uma pessoa saudável é aquela que não foi suficientemente examinada.

As nuvens são como os chefes: quando desaparecem, o dia fica lindo.

Tamanho não é documento e dinheiro não traz felicidade. (Autor desconhecido, pobre e de pinto pequeno)

O novo e-mail do governo é: planalto@lheira.gov.br

A vida é uma droga. E você ainda reencarna.

4.7.09

Inimigo Público


Jorge Fernando dos Santos
BLOGUEIRO CONVIDADO

Ele nunca tinha matado ninguém. Pior que isso, nunca tinha roubado, estuprado ou traficado seja lá o que fosse. Por isso mesmo foi condenado à pena máxima: 150 anos de trabalhos forçados ou redução da pena mediante morte súbita. Somente assim a sociedade pôde respirar aliviada. Tratava-se do inimigo público número um. Aquele que, desde a infância, recusava-se a cometer qualquer tipo de delito, por menor que fosse.

Tudo começou aos sete anos de idade, quando ele cedeu seu lugar no ônibus a uma velhinha. Todo mundo ficou surpreso e os vizinhos que se encontravam a bordo chegaram a comentar o fato. Mas ninguém levou aquilo muito a sério. Ele é só uma criança, alguém comentou. Alguns dias depois, o que parecia ter sido uma simples travessura da infância aconteceu novamente. A mãe, que estava com ele, não teve outra alternativa senão repreendê-lo na frente dos demais passageiros, que já se mostravam injuriados com o menino.

Já aos 13 anos, ele se recusou a consumir uma droga oferecida pelo primo, que era seu colega no primeiro grau. A notícia logo se espalhou e tanto a família quanto a diretora do estabelecimento de ensino se horrorizaram. O ópio custa tão caro e esse menino simplesmente não aceita a oferta do primo que tanto o admira? Quem ele pensa que é? - muitos comentaram. E ele continuou ignorando esse tipo de pressão. Aliás, acostumou-se com aquela forma de tratamento.

Consciente de sua própria rebeldia e - por que não? - orgulhoso de ser um adolescente do tipo rebelde e contestador, foi várias vezes suspenso da escola e quase tomou bomba por questionar os ensinamentos antiéticos de seus professores.

Os pais já não sabiam mais o que fazer. O padrinho, que além de ser seu tio era também um deputado federal várias vezes investigado por corrupção - e por isso mesmo reeleito duas vezes para o cargo - simplesmente rompeu os laços afetivos com a família. Não quero ser lembrado como parente de um caso perdido como esse, justificou. Seu irmão, pai do garoto problema, lamentou o fato. Como sempre fazia, castigou o filho passando-lhe uma descompostura e repetindo as desvantagens de ser uma pessoa que não se mostra enquadrada no sistema.

Aos 17 anos, ele cometeu um legítimo ato de atentado ao pudor. Em plena fila de alistamento militar, socorreu um recruta que, estando de sentinela há várias horas, desmaiou sob o intenso sol do verão. Se você fosse um militar, seria levado à corte marcial, disse um sargento, furioso diante do fato inusitado jamais ocorrido em seu pelotão. Dispensado do serviço obrigatório, conseguiu arranjar emprego numa agência bancária da cidade. Mas não durou muito no emprego. Acabou sendo demitido por justa causa depois de se recusar a tomar parte num desfalque planejado pelo gerente.

Jamais pensei criar um filho pra isso, desabafou o pai numa discussão em família. Trabalhar honestamente como caixa de banco, isso é um absurdo! Calma, pediu-lhe a mulher, sempre paciente. Ele é ainda muito jovem, há de aprender com a própria vida.

Não aprendeu. E por isso mesmo, aos 30 anos de idade, tendo já uma enorme ficha criminal - que incluía multas de trânsito por respeitar o sinal vermelho e por jamais estacionar em fila dupla - acabou sendo preso em flagrante ao tentar salvar uma jovem de ser estuprada por um padre dentro de uma igreja do seu bairro.

Apesar de nunca ter aprovado suas atitudes, o pai contratou os serviços do melhor advogado da cidade, um eminente professor de Direito que já havia tirado da cadeia vários chefões do crime organizado. Tudo em vão. A promotoria agiu com incrível competência, apresentando várias testemunhas e comprovando todos os crimes praticados pelo réu.

No final do demorado julgamento, que catalisou a atenção da imprensa e mobilizou a opinião pública do país, o veredito foi unânime. Um elemento de tamanha periculosidade, verdadeira ameaça aos interesses do sistema vigente, não poderia continuar às soltas, incomodando as pessoas normais que obedecem cegamente aos mandamentos da lei. Hoje, ele está confinado numa cela escura em alguma das penitenciárias privadas do país, cuja especialidade é justamente punir aqueles que se recusam a levar vantagem na vida.

Jorge Fernando pode ser encontrado aqui.