lobo e lua

lobo e lua

25.6.11

Quando os fãs ficam órfãos

Há dois anos, quando noticiaram a morte de Michael Jackson, que ensaiava para uma gigantesca turnê, muita gente prestou homenagens ao astro. Então, resolvemos homenagear os órfãos do rei do pop. Ou seja, os seus fãs. A história deste post é verdadeira e a republicamos porque a blogosfera se renova constantemente e muitos de nossos atuais leitores não a conhecem.

Michael Jackson - 1958/?

Logo que soube da morte de Michael Jackson, me lembrei de um faxineiro que trabalhava na galeria onde eu tinha uma loja de discos.Ele dizia ter 20 anos, mas parecia menos, pois era franzino, muito magro e baixinho. Assim que abri a loja, ele apareceu e perguntou se tinha lá algum disco de Michael Jackson. "Tem alguns", eu disse. "Qual você procura?" "Na verdade, nenhum, pois tenho todos. Só quero saber, pois, na hora do almoço, posso vir aqui e ouvir um pouquinho?"

"Claro, pode vir", eu disse.

E ele sempre aparecia lá, escolhia uma faixa e começava a dançar, daquele jeito que seu ídolo tinha imortalizado. Sorria, dizia que era o máximo e depois voltava ao trabalho de limpar a galeria.

Durante quatro anos, ele cumpriu esse ritual de aparecer e pedir pra ouvir Michael Jackson.Depois, fechei a loja e nunca mais voltei lá. A notícia da morte de Jackson fez com que eu me lembrasse dele e de outras figuras que passavam por lá. Tinha um que andava com uma foto do Bono no bolso. Ele parava qualquer pessoa, na galeria ou dentro das lojas, tirava a foto do bolso e perguntava: "Não sou parecido com ele?" E, se a pessoa demonstrava alguma dúvida, ele ficava de perfil e perguntava novamente: "Assim, nessa posição, não parece?"

Também passavam por lá o Elvis jovem e o Elvis quarentão. Explico: um imitava o rei do rock nos anos 50, com topete, enquanto o outro era gordo e usava um cavanhaque enorme, além de tentar imitar o modo de andar de Elvis, tudo muito bem estudado.

Os clientes, em geral, eram fãs que imitavam seus ídolos. Um imitava John Lennon, outro o Jim Morrison, tinha também Jimi Hendrix, James Brown...

Um dia, percebi uma grande aglomeração no corredor e fui ver o que era. Tomei o maior susto, pois podia jurar que era o próprio Michael Jackson! O sujeito era alto, tinha uma daquelas roupas que Jackson vestia nos shows, igual a um uniforme militar, um tom de pele muito parecido com o astro que deixava de ser negro, também usava maquiagem, inclusive nos olhos, o cabelo com uma ponta escorrendo pela testa, um chapéu... Impressionante a semelhança!

O faxineiro estava lá, no meio da multidão. Pequenino, com seu uniforme cinza, sorria e observava o sósia. Quando tudo acabou, ele entrou na minha loja e disse:

"É bom a gente ter um ídolo, né?"

Por isso, dei como incerta a morte de Michael Jackson no título deste post. Quem tem um ídolo, vivo ou morto, sabe do que falo. Aquele pobre faxineiro, que morava longe e levava horas de ônibus pra chegar na galeria e voltar pra casa, tinha em Michael Jackson um forte motivo pra viver e ser feliz. Hoje, ele deve estar triste, mas logo voltará a ouvir as músicas de seu ídolo e dançar como se estivesse em um palco.

Quando me lembrei dele, depois que soube da morte de Jackson, uma música invadiu meus pensamentos. Foi "Gente Humilde", de Garoto, Vinícius de Moraes e Chico Buarque de Hollanda:

"Tem certos dias
Em que eu penso em minha gente
E sinto assim
Todo o meu peito se apertar
Porque parece
Que acontece de repente
Feito um desejo de eu viver
Sem me notar

Igual a como
Quando eu passo no subúrbio
Eu muito bem
Vindo de trem de algum lugar
E aí me dá
Como uma inveja dessa gente
Que vai em frente
Sem nem ter com quem contar

São casas simples
Com cadeiras na calçada
E na fachada
Escrito em cima que é um lar
Pela varanda
Flores tristes e baldias
Como a alegria
Que não tem onde encostar

E aí me dá uma tristeza
No meu peito
Feito um despeito
De eu não ter como lutar
E eu que não creio
Peço a Deus por minha gente
É gente humilde
Que vontade de chorar"

13.6.11

Poema em Linha Reta

FERNANDO PESSOA (Lisboa, 13 de Junho de 1888 — Lisboa, 30 de Novembro de 1935)

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar
banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo
ainda;
e tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes
- na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta
terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.