lobo e lua

lobo e lua

26.9.09

Dr. Bruegel atende

Prezado dr. Bruegel: você não vale nada, mas eu gosto de você! Você não vale nada, mas eu gosto de você! Tudo que eu queria era saber por quê?!? Tudo que eu queria era saber por quê?!?

Você brincou comigo, bagunçou a minha vida. E esse sofrimento não tem explicação. Seu sangue é de barata, a boca é de vampiro. Um dia eu lhe tiro de vez do meu coração.
Eu quero ver você sofrer, só pra deixar de ser ruim. Eu vou fazer você chorar, se humilhar, ficar correndo atrás de mim. Você não vale nada, mas eu gosto de você! Você não vale nada, mas eu gosto de você! Tudo que eu queria era saber por quê?!? Tudo que eu queria era saber por quê?!? (Anna Vitória – Uberaba)

Prezada Anna Vitória: eu devia estar contente, porque eu tenho um emprego, sou o dito cidadão respeitável e ganho mais de quatro mil reais por mês. Eu devia agradecer ao Senhor por ter tido sucesso na vida como artista, eu devia estar feliz porque consegui comprar um BMW 2006. Eu devia estar alegre e satisfeito por morar em Ipanema depois de ter passado fome por dois anos aqui na Cidade Maravilhosa. Ah! Eu devia estar sorrindo e orgulhoso por ter finalmente vencido na vida, mas eu acho isso uma grande piada e um tanto quanto perigosa. Eu devia estar contente por ter conseguido tudo o que eu quis, mas confesso abestalhado que eu estou decepcionado. Porque foi tão fácil conseguir e agora eu me pergunto "e daí?" Eu tenho uma porção de coisas grandes pra conquistar e eu não posso ficar aí parado.

Eu devia estar feliz pelo Senhor ter me concedido o domingo pra ir com a família no Jardim Zoológico dar pipoca aos macacos. Ah! Mas que sujeito chato sou eu, que não acha nada engraçado, macaco, praia, carro, jornal, tobogã, eu acho tudo isso um saco.

É você olhar no espelho, se sentir um grandessíssimo idiota, saber que é humano, ridículo, limitado, que só usa dez por cento de sua cabeça animal. E você ainda acredita que é um doutor, padre ou policial, que está contribuindo com sua parte para o nosso belo quadro social. Eu que não me sento no trono de um apartamento com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar. Porque, longe das cercas embandeiradas que separam quintais, no cume calmo do meu olho que vê, assenta a sombra sonora de um disco voador.

21.9.09

O poder da burrice

“Duas coisas são infinitas: o Universo e a burrice humana. Mas, a respeito do Universo ainda tenho dúvidas", disse Albert Einstein. Componente inalienável da natureza humana, a burrice é, provavelmente, a força mais perigosa do Cosmos.

O que significa burrice? O conceito não tem uma definição teórica indiscutível. Não é o oposto de inteligência: há pessoas inteligentes que, vez por outra, fazem o papel de burras. Uma definição convincente foi dada pelo historiador e economista italiano Carlo Cipolla: “Uma pessoa burra é aquela que causa algum dano a outra pessoa ou a um grupo de pessoas sem obter nenhuma vantagem para si mesmo – ou até mesmo se prejudicando.”

A burrice tem a peculiar vocação de se traduzir em ações, e por isso mesmo se torna perigosa. Segundo Cipolla, que identificou cinco “leis fundamentais da burrice”, até mesmo os mais inteligentes tendem a desvalorizar os riscos inerentes à burrice. E ela é mais perigosa que a crueldade: esta, tendo uma lógica compreensível, pode pelo menos ser prevista e enfrentada. Para começar, pensemos naqueles que, em tempos de Aids, mantêm relações sexuais sem proteção ou nos que não usam um antivírus no próprio computador, expondo a si mesmos e aos outros ao contágio de vírus reais ou virtuais.

A burrice sempre ofereceu cenas e personagens cômicos, como no conto de Andersen, “A roupa nova do imperador”, no qual dois alfaiates mal-intencionados convencem o rei a vestir uma roupa maravilhosa, invisível para as pessoas burras. Era uma armadilha: ninguém queria admitir a própria burrice nem contradizer o soberano, afirmando não ver a roupa (que de fato não existia). Só um menino teve a coragem de dizer que o rei estava nu, revelando a trapaça. Mas, atenção: rir da burrice pode deixá-la “simpática” e, portanto, desvalorizada. Se na ficção o estúpido é facilmente reconhecido, na vida real as coisas são diferentes.

A burrice tem três características fundamentais:

1) Ela é inconsciente e recidiva: o burro não sabe que é burro e tende a repetir várias vezes o mesmo erro. Tais características contribuem para dar mais força e eficácia à ação devastadora da burrice. A pessoa estúpida não reconhece os próprios limites, fica fossilizada em suas convicções particulares e não sabe mudar. Por isso, como diz o psicólogo italiano Luigi Anolli, “no âmbito clínico, a burrice é a pior doença, por ser incurável”. O estúpido é levado a repetir os mesmos comportamentos porque não é capaz de entender o estrago que faz e, portanto, não consegue se corrigir.

2) A burrice é contagiosa. As multidões são muito mais estúpidas que as pessoas que as compõem. Isso explica porque populações inteiras (como aconteceu na Alemanha nazista ou na Itália fascista) podem ser facilmente condicionadas a perseguir objetivos insanos, um fenômeno bastante conhecido na psicologia. “O contágio emotivo próprio do grupo diminui a capacidade crítica”, explica Anolli. “Percebe-se a polarização da tomada de decisão: escolhe-se a solução mais simples, que na maioria das vezes é a menos inteligente.”

3) Além da coletividade, há um outro fator que amplifica a burrice: estar numa posição de comando. “O poder emburrece”, afirmava o filósofo alemão Friedrich Nietzsche. Por quê? Quando estão no poder, as pessoas muitas vezes são induzidas a pensar que, justamente por ocuparem aquele posto, são melhores, mais capazes, mais inteligentes e mais sábias que o resto da humanidade. Além disso, estão cercadas de aduladores, seguidores e aproveitadores que reforçam o tempo todo essa ilusão. Dessa forma, quem está no governo chega a cometer as mais graves faltas com a aprovação geral.

Há pessoas que chegam incrivelmente perto da verdade sobre si mesmas e a respeito do mundo. Elas têm uma percepção equilibrada, são imparciais quando se trata de atribuir responsabilidades de sucessos e fracassos e fazem previsões realistas para o futuro. Testemunhas vivas do quanto é arriscado conhecer a si mesmas, elas são, para muitos psicólogos, pessoas clinicamente depressivas. Martin Seligman, docente de psicologia na Universidade da Pensilvânia (EUA), demonstrou que o chamado “estilo explicativo” pessimista é comum entre os deprimidos: quando fracassam, assumem toda a culpa, consideram-se burros, péssimos em tudo e se convencem de que essa situação vai durar para sempre.

E quais são os resultados de tanta (às vezes excessiva) honestidade intelectual? Deborah Danner, pesquisadora da Universidade de Kentucky (EUA), examinou os efeitos da longevidade em 180 noviças norte-americanas, otimistas e pessimistas. Quanto mais otimistas se mostravam as religiosas, mais tempo viviam. As mais joviais viveram em média uma década além das pessimistas.

É claro que ser realistas e ao mesmo tempo serenos e otimistas seria o ideal; mas não há dúvida de que às vezes um pouco de burrice faz bem.

Colaboração de Fernanda Magalhães, do blog Comportamento Real

6.9.09

Autobiografia de Bertrand Russell


Prólogo

Três paixões, simples, mas irresistivelmente fortes, governaram-me a vida: o anseio de amor, a busca do conhecimento e a dolorosa piedade pelo sofrimento da humanidade. Tais paixões, como grandes vendavais, impeliram-me para aqui e acolá, em curso instável, por sobre profundo oceano de angústia, chegando às raias do desespero.

Busquei, primeiro, o amor, porque ele produz êxtase - um êxtase tão grande que, não raro, eu sacrificava todo o resto da minha vida por umas poucas horas dessa alegria. Ambicionava-o, ainda, porque o amor nos liberta da solidão - essa solidão terrível através da qual a nossa trêmule percepção observa, além dos limites do mundo, esse abismo frio e exânime. Busquei-o, finalmente, porque vi na união do amor, numa miniatura mística, algo que prefigurava a visão que os santos e os poetas imaginavam. Eis o que busquei e, embora isso possa parecer demasiado bom para a vida humana, foi isso que - afinal - encontrei.

Com paixão igual, busquei o conhecimento. Eu queria compreender o coração dos homens. Gostaria de saber porque cintilam as estrelas. E procurei apreender a força pitagórica pela qual o número permanece acima do fluxo dos acontecimentos. Um pouco disto, mas não muito, eu o consegui.

Amor e conhecimento, até ao ponto em que são possíveis, conduzem para o alto, rumo ao céu. Mas a piedade sempre me trazia de volta à terra. Ecos de gritos de dor ecoavam em meu coração. Crianças famintas, vítimas torturadas por opressores, velhos desvalidos a constituir um fardo para seus filhos, e todo o mundo de solidão, pobreza e sofrimentos, convertem numa irrisão o que deveria ser a vida humana. Anseio por aliviar o mal, mas não posso, e também sofro.

Eis o que tem sido a minha vida. Tenho-a considerado digna de ser vivida e, de bom grado, tornaria a vivê-la, se me fosse dada tal oportunidade.

Bertrand Russell (1872-1970)

1.9.09

O motivo do meu divórcio

Domingo, como sempre fiz, acordei muito cedo, coloquei meu agasalho, tomei café e fui até a garagem preparar meu barco de pesca.

De repente, começou a chover torrencialmente. Havia até neve misturada com a chuva, ventos a mais de 80 km. Liguei o rádio e ouvi que o tempo seria chuvoso durante todo o dia.

Resolvi não ir e voltei pra casa. Silenciosamente, tirei minha roupa e entrei novamente debaixo do cobertor.

Afaguei as costas da minha mulher suavemente e disse bem baixinho:

- O tempo lá fora está terrível.

Ela, ainda sonolenta, respondeu:

- E você acredita que o idiota do meu marido foi pescar com esse tempo?