lobo e lua

lobo e lua

14.1.10

Parabéns!

Chico PF
(Francisco Paula Freitas)


Amigo,

Quando foi, diga a verdade, que passou pela sua cabeça que chegar aos 70 fosse tão rápido?

Se basta uma rápida virada no pescoço, ou um breve fechar dos olhos para, na mesma hora, termos 10, 15 ou 25, isso que o tempo faz me cheira a traição e me deixa bobo. Como é que pode?...

Que o tempo iria passar, sabíamos. Mas não iria ser assim tão ligeiro. Mais: quando chegássemos lá, não era para ter o que se tem agora. Seria algo diferente, igual ao que víamos nos outros, nos velhos da vida que existem quando a gente é pequeno. Neles supúnhamos existir a paz, a calma, o descanso, a bonomia e uma certa felicidade. Dever cumprido, imaginávamos. De certa forma, desejamos isso também. Hoje sabemos, não é verdade.

Aos 70, afinal o que você vê em você? Você vê o que o menino, que insiste em não nos abandonar e que não conseguimos deixar de ser, vê. E lá está ele — o que a toda hora vem para nos salvar — a resolver os problemas e a ver, por trás da nossa cara um tanto vincada, da mesma forma que víamos quando a cara era lisa, era outra. Outra? Então nossa cara já foi outra? É possível, mas só concordamos quando a vemos nos retratos desbotados. E a atual, como é? Essa, a das fotografias recentes, não é, eu garanto. Talvez a do espelho, a da hora da barba a que, preocupados com a lâmina, quase não vemos. Não, também não é essa. Nossa verdadeira cara é uma espécie de sombra, de memória, de lembrança de algo que fica entre a matéria e a vontade.

Somos sempre os mesmos, cara, alma, entranhas, tudo. Mudamos para os outros. Mas os que saberiam enxergar as diferenças, já não podem. Não acompanharam nossa mudança nem qualquer outra coisa. Se foram, nos deixaram a despeito de nós, que não os abandonamos...

Pais, tios e avós. Nós que um dia fomos filhos, sobrinhos e netos, hoje órfãos, fazemos o papel daqueles. Representamos hoje os que se foram, mas temos dificuldade em decorar o papel.

Vemos o tanto realizado, achamos pouco e vem à lembrança uma ou outra pequenina coisa que poderíamos ter feito... Por que tem de ser assim?

Não vou como os simplórios dizer que 70 anos é só o começo, é mais. Bem mais. Mas, cá entre nós, é muito pouco, é quase nada. Feche os olhos e confirme.

Entre os que não ficaram pelo caminho — somos poucos! — cada um vence a seu modo.

Um comprimido para as mazelas e um drinque para brindar a vida, sigamos. Com ceticismo e esperança, ir é o que resta.

Publicado em "Café e Bar Ponto Chic" - Editora Bertrand Brasil

4.1.10