lobo e lua

lobo e lua

24.1.09

De como encontrei o rock and roll (ou de como ele me encontrou)

Lana Esthevlana
COLUNISTA ANTI-SOCIAL

Não gosto de dizer que sou uma pessoa eclética. Para mim isso soa exatamente como “oi, não tenho personalidade e ouço com prazer o que estiver tocando”.

Alguns dizem que sou “roqueira”, mas acham estranho, pois eu não me visto somente de preto e, acima de tudo, sou cheirosa e não me drogo. Rótulo é uma coisa infame, não?

Bem, não sou roqueira-rebelde-sangue-nos-olhos visto que sou louca por uma boa roda de samba. Não sou sambista (ou sambadeira, sei lá... hahaha!) e também amo bossa-nova. Ahn, não importa. No fim das contas, eu prefiro dizer que gosto daquilo que me faz dançar, seja por dentro ou seja por fora.

Entretanto, admito que o estilo que mais gosto é o rock, pois algo contido na mistura dos sons de sua guitarra, baixo e bateria me faz lembrar de liberdade. Me faz pensar em vida.

E na vida.

Lá na década de 90, considerada por mim como a década dos últimos suspiros do rock, quando eu estava na quarta série do primário, não era uma menina de muitos amigos. No caso, não de muitos amigos da minha idade. Eu gostava de ficar com o pessoal da 6ª e da 7ª. Eles que tinham uns papos legais e usavam roupas legais. Casaco xadrez, All Star rabiscado e calça rasgada. E as músicas que eles ouviam? Era melhor do que brincar o dia inteiro na rua. Eu poderia passar a tarde toda deitada no chão do meu quarto, com os fones de ouvido do meu moderníssimo walkman tocando Nirvana, Pearl Jam e Ramones.

Não sei explicar a magia. Na verdade, acredito que não seja possível. Só lembro que, à medida que fui escutando as bandas, não conseguia parar. E minha vontade de ouvir mais e mais músicas era tanta que o pessoal mais velho decidiu me dar uma overdose de rock. Me contaram sobre o surgimento do rock and roll, de suas origens negras e do impacto cultural que causou. Foi como uma iniciação numa seita secreta.

Depois das aulas teóricas, veio a prática.

Pratiquei ouvindo bandas e cantores como: Creedence Clearwater Revival, Bruce Springsteen, The Beatles, The Rolling Stones, The Who, The Cranberries, The Doors, Raul Seixas, Legião Urbana, David Bowie, U2, The Clash, Rod Stewart, The Animals, AC/DC, Elvis Presley, Aerosmith, Led Zeppelin, Bad Company, Dire Straits, Pink Floyd, Barão Vermelho, Cazuza, The Beach Boys, Scorpions, Velvet Underground, Billy Joel, Bryan Adams, RPM, Eric Clapton, Metallica, Queen, Social Distortion…

Claro que não vou colocar o nome de todas as bandas aqui, pois se tornaria uma leitura absurdamente extensa e cansativa. Sem contar que minha memória não é tão boa assim. Porém, achei importante citar boa parte da música que me fez entender o que é a liberdade. Pois pode até soar um tanto patético/poético, mas, quando escuto algumas dessas bandas, sinto que posso parar no tempo e analisar minuciosamente cada coisa da vida. E nada como transformar revoltas, angústias, desejos e sorrisos em música.

Um brinde ao bom e velho rock and roll. Um brinde à liberdade de espírito através da música. Seja ela qual for.

A sensacional Lana Esthevlana também pode ser encontrada aqui.

18.1.09

Ecos

Conto de Chico PF
(Francisco Paula Freitas)

– E como poderia esquecer? Você era uma boa bisca, tomava todos os meus namorados. Primeiro foi o Nathanael, filho do tio Curiácio. Não, não era o mais velho, era o do meio, aquele mais moreno, forte, que passava as férias lá em casa; depois foi o Abílio, do seu Serafim, o farmacêutico lá de Mata Cavalos. Teve também o Nico do cartório, primo do Quincas Macieira, o pianista; foram tantos que você me tomou... Você com aquela sua carinha de songamonga chantageando papai o tempo todo só porque tinha tido a “espanhola”, já estava mais do que curada e ficava fingindo, dava aqueles desmaios... Eu te perdôo, você era muito levada. Bons tempos aqueles, não eram, Neusa?

— Se eram; mas isso faz muito tempo! Você também era bem sonsa. A propósito, você está com noventa e um, não é?

— Está maluca? Como noventa e um se eu sou apenas dois anos mais velha que você e pelo que eu sei você está com oitenta e oito? Por Deus Nosso Senhor, por que não perde essa mania de querer me fazer mais velha do que sou?

— Não, Cota, oitenta e oito teria o mano Sylvio se estivesse vivo, que Deus o tenha, e eu sempre fui mais moça do que ele, um ano.

— Então você quer dizer que tem oitenta e sete e eu noventa e um? Não é possível, pode ser até que eu tenha mais de oitenta e nove, mas ainda não fiz noventa e um mesmo! Minha memória anda fraca esses dias e minha cabeça não está lá muito boa para contas, depois, não sei por quê, sempre que a gente conversa, você vem com essa sua mania de falar de idade. Pare com essa teimosia, Neusa, já lhe pedi, encoste um pouco mais a veneziana, o sol está muito forte, me passa esta linha. Haja paciência! Louvado seja o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.

— Para sempre seja louvado, mas teimosa é você, Cota, e não vou passar linha nenhuma. Deixa de ser mandona. Se quiser, venha buscar ou peça por favor.

— Lembra-se do... Como era mesmo o nome dele? Aquele empregado do tio Manduca, o... Ah! Lembrei, o Charles! Ele não usava sapatos, não havia para o tamanho dos seus pés. Era muito engraçado, negro que só ele com aquela beiçola e aquela risada banguela. Era americano, começava a contar, via que não entendíamos, apontava para o céu, gesticulava e dizia que já tinha andado de aeroplano. Não falava quase nada da nossa língua, e assim mesmo tia Isaura mandava ele às compras. Na volta, vinha sempre meio grogue e com quase nada do que tinha ido buscar. Quando titia reclamava, ele ria sem parar. Vivia fazendo patacoadas.

— Diziam que fora marinheiro, tomou uma carraspana e perdeu o navio que voltava para a terra dele. Sem documentos, foi parar no Pedregulho, lá onde o Judas perdeu as botas. Tio Manduca, que era da guarda-civil, ficou com pena, o acolheu e o trouxe para casa.

— Que fim terá levado?.....

— Não sei não, acho que pelo tempo já deve ter morrido.

— Falar em morte, sabe quem está muito mal? A Castorina. Não bastasse a artrose. Reparou nas mãos dela? Depois que o Rosas se foi, ela começou a definhar, definhar, e já não anda. Fica só naquela cadeira. Agora parece que vai ter de ser internada. Eu bem que queria telefonar para ela, mas com este telefone novo é muito difícil, a ligação nunca se completa. Parece estar sempre escangalhado... A filha, aquela sirigaita, sempre viajando, não pode ficar com ela. Tão moça, coitada, ainda não fez oitenta anos e está nesse vai não vai.

— Você sabia que eu flertei com o Rosas? Foi na festa da cumeeira da casa da tia Alice... Ele era bonito que só. Tinha uns sorrisos...

— Sabia sim. Você achava que nós éramos bobas, pois sim.

— É, mas por esta luz que me alumia, namorávamos só com os olhos. Se eu lhe pedir uma coisa, você jura que faz?

— Só com os olhos, uma figa! Bem que ele fazia aquele olhar de songamonga, mas não diga isso que Deus te castiga. Você vivia abarracada, pensa que eu não via? Naquele convescote da Quinta da Boa Vista eu tive que dar uma volta enorme com a mamãe, que Nosso Senhor a tenha, para que ela não visse você e aquele tal de Antenor Galalau, lá perto do lago, atracados... Faço, diga o que é. Eu também namorei muito e sei o que é isso. Sabendo levar, a vida é muito boa. É como eu sempre disse, se você quiser ser feliz, seja.

— Não, não desvie, eu quero é que você jure que vai fazer o que eu vou pedir. Mas tem que jurar!

— Fale logo, Neusa, eu juro, quero que Deus me cegue.

— Quando eu morrer, você não vai me deixar ir no caixão sem pintura. Promete? Jura?

— Que coisa mais mórbida! Por que isso agora? Você está com saúde. Que idéia maluca é essa? Quem disse que você vai morrer? De onde tirou esse pensamento? Essas coisas não acontecem assim tão de repente, Neusa. É bem verdade que já estamos entradas no tempo. Mas, já que você tocou no assunto, pensando bem, podemos fazer uma combinação: se eu for primeiro, você terá que fazer o mesmo comigo, eu também quero ir bem bonita. Além disso, não sei se é verdade, mas, Deus me livre e guarde, ouvi dizer que em algumas pessoas a boca não fecha mais quando morrem e... você sabe, depois que o Emílio me fez esta prótese... Só se amarrar um lenço para manter a boca fechada, senão... pode cair, já imaginou? Que vergonha!

— Está bem, mas ah! meu Deus, para que você foi se lembrar disso, se acontecer comigo, você não deixa, Cota, por amor a Deus, dá um jeito, mas lenço em mim, não. Vou ficar horrorosa; nunca fiquei bem nem de lenço nem de chapéu. Lembra que quando eu colocava qualquer coisa na cabeça, eu ficava feia, estranha. Existem pessoas que não podem colocar nada na cabeça, já outras, não só podem como ficam muito bem. Mamãe mesmo, que Deus a tenha no Reino dos Céus, era uma dessas, ficava linda de chapéu... Mas, em último caso, você vê qualquer coisa. Quem sabe um daqueles estampadinhos, amarrado no queixo, tipo camponesa, como o que eu usava na praia, no período que passamos na casa que papai alugou no Caju? Sempre fui caprichosa e acho que ainda o tenho. Lembro de você tão pálida, tão magrinha, se não fosse o iodo daquelas águas acho que não resistiria ao linfatismo. A ideia do doutor Salles em nos mandar para a praia foi que lhe salvou. Lembra-se, mana?

— E como, mana, e como! Mas que friagem, está um vento danado. Você não sente frio não? Assim vou me constipar. Fecha este postigo.

— Não fecho nada. Se quiser, levante você, ou peça por favor. E sabe o que mais? O diabo que te carregue!

Publicado no livro "Café e Bar Ponto Chic" - Editora Bertrand Brasil

11.1.09

Vem cá, meu anjinho, com a titia

Maristela Bairros
CORRESPONDENTE


Quando estiver no restaurante e for premiado com a presença de lindas criancinhas alternando choro, risadas e correrias entre as mesas, não se abale nem invente de ir até os pais reclamar.

Aja sorrateiramente.

Levante, pare no meio do corredor e, quando uma delas se aproximar, zoando, abaixe-se, com o mais meigo dos sorrisos, e diga a ela que, se não for para o colo da mamãe, você vai arrancar as orelhas dela na boa.

Ou, se não quiser ser tão radical, apele para mitos antigos: diga que o bicho-papão está vindo para levar todos os amorzinhos de crianças que correm e atrapalham as refeições dos adultos.

Pode dar problema com os pais, mas vale a pena. Você será inesquecível nas lembranças dos pimpolhos.

Publicado em “Chutando o Balde – O livro dos desaforos”, Editora Artes e Ofícios

Maristela Bairros também pode ser encontrada aqui.

4.1.09

Millôr, o pensador

Ninguém ignora que o homem é um produto do meio. E que o meio é um produto do homem. O resultado não poderia ser outro – a mediocridade.

Morrer é uma coisa que se deve deixar sempre pra depois.

Nasci com talento melódico numa época em que o pessoal só se interessa por percussão.

Analista é um sujeito que, partindo de premissas falsas, consegue chegar a conclusões perfeitamente equivocadas.

Se os animais falassem, não seria conosco que iriam bater papo.

Nunca deixe de fazer amanhã o que pode deixar de fazer hoje.

Nas noites de Brasília, cheias de mordomia, todos os gastos são pardos.

Um desses livros que quando você larga não consegue mais pegar.

50% dos doentes morrem de médico.

Chato é uma pessoa que não sabe que “como vai?” é um cumprimento, não uma pergunta.

Todo governante se compõe de 3% de Lincoln e 97% de Pinochet.

Quem se curva aos opressores mostra a bunda aos oprimidos

Especialista é o que só não ignora uma coisa.

Fobia é um medo com PhD.

Toda fotografia antiga é uma punhalada.

O futebol é o ópio do povo e o narcotráfico da mídia.

O gourmet é o comilão erudito.

O haddock é um bacalhau que venceu na vida.

O homem é o único animal que cuida bem do animal que vai comer.

Há escritores que se acham eternos. Mas são apenas infindáveis.

Eu escrevi um livro, plantei uma árvore e criei um filho. Hoje, meu filho, embaixo da árvore, queima o livro.

O humorismo é a quintessência da seriedade.

Idade da razão é quando a gente faz as maiores besteiras sem ficar preocupado.

Desconfio de todo idealista que lucra com seu ideal.

Um otimista não sabe o que o espera.

Millôr Fernandes