lobo e lua

lobo e lua

28.11.09

Conversa na Redação

Redação. Noite. Entram Gudesteu e Lana.

Gudesteu: - Descobri que minha mulher é uma grande mentirosa.

Lana: - É? E por que você acha isso?

Gudesteu: - Ela não apareceu em casa ontem à noite e, quando perguntei por onde andou, inventou que estava com a irmã dela.

Lana: - E não estava?

Gudesteu: - Claro que não! Quem passou a noite com a irmã dela fui eu!

14.11.09

As desventuras de Anselmo, o boêmio

Regina Lewinsky
CORRESPONDENTE

Anselmo era um sujeito casado, mas, também, boêmio e mulherengo de carteirinha. Sempre que tinha uma chance, "aprontava", entregando-se a homéricas farras, o que fazia a sua infeliz consorte(?) se descabelar e viver no seu encalço, sempre que possível.

Em uma de suas furtivas noites de orgia, depois de tomar todas com colegas de trabalho, num pouco recomendável barzinho da periferia, cada um arranjou uma parceira e saíram em caravana pra a beira-mar; dois casais em cada carro, com a "inocente" finalidade de assistir "corrida de submarino", num tempo em que essa prática não significava, ainda, um risco de vida.

E foi um tal de pernas, braços e cabeças a se engalfinharem naquele pequeno espaço, em frontal desafio à Lei de Newton ... uma verdadeira promiscuidade!

Ao raiar o dia, percebeu, horrorizado, que havia extrapolado o limite do horário de chegar em casa ainda com uma desculpa razoável e, desfazendo-se das sua parceira, rumou pro seu lar, "bolando" uma justificativa possível pra aquele execrável ato. Ao aproximar-se de casa, desde longe Anselmo vislumbrou o seu mais temível pesadelo: lá estavam, alinhadas que nem meio-fio, sua esposa e ninguém menos que a sua temível sogra, contumaz desafeta, que nunca entendeu o porquê da filha ter escolhido "semelhante cafajeste pra marido, quando havia tido tantos pretendentes tão mais aceitáveis antes dele".

O cara gelou, quando viu o que o aguardava: as duas, de "mãos nos quartos", balançando uma das pernas, numa ameaçadora coreografia sincronizada, com aquelas caras de quem está prestes a explodir (só faltava o fatídico rodo nas mãos), o fulminavam com olhares nada compreensivos.

Dentre todos os impropérios que ouviu, enquanto fechava o carro, só uma frase o fez estremecer: "Vamos chegar atrasadas no casamento!" ... Foi aí que ele lembrou: logo mais, às 9 horas, o casal estava escalado para apadrinhar o casamento de uma das irmãs da esposa e o evento iria se realizar numa cidadezinha a uns 200 km dali!

O miserável quis morrer! Com aquela ressaca, aquele gosto de brecha de tamborete e de cabo de guarda-chuva na boca, um sono de matar e a cabeça a ponto de estourar, ainda tinha que se por lindo e loiro, todo engravatado, em um recinto em que estaria presente toda a família dela (que, não por acaso, não o via com bons olhos). ERA A MORTE!

Aproveitando-se do pouco tempo que tinha pra se arrumar e tentar se recompor, passou pelas duas feito uma bala, sem dar a mínima satisfação, se fingindo preocupado com o adiantado da hora. Entrou embaixo do chuveiro, gargarejou um desinfetante bucal, pra disfarçar o bafo de onça, arrumou-se todo, perfumou-se e entrou no carro, onde as duas já haviam se aboletado, pensando na desagradável cantilena que iria escutar durante todo o percurso, o que, com efeito, aconteceu.

Tentando desenvolver a velocidade máxima, pra abafar as impiedosas vozes das duas, sentiu alguma coisa impedindo-o de acelerar. Foi aí que ele petrificou: ao dar uma espiada pra baixo, vislumbrou um sapato de mulher! Pronto. Estava perdido! Como defender-se do indefensável, agora que aquele inanimado objeto, silenciosamente, "entregava" sua abominável traquinagem?

Como todo bom malandro, logo teve uma idéia: inventou que o carro estava apresentando um problema, diminuiu a marcha, abriu a porta, fingindo olhar o pneu traseiro e arremeteu no acostamento a prova do crime. Oh! Que alívio! Agora podia seguir a viagem sem mais atropelos que não o blá-blá-blá daquelas duas! Chegou à igreja a tempo de ver que o carro que conduzia a noiva ainda adentrava o pátio. Apressado, dirigiu-se à entrada lateral, quando viu que as suas companheiras de viagem sequer haviam ainda saído do carro ...

"Ora, bolas!" - resmungou - "Essas duas com tanta pressa e ficam ali, só falando mal de mim". Voltou, já com ares de quem ia repreendê-las pela demora, mas parou e deu meia-volta, rindo cínicamente entredentes, quando ouviu o seguinte diálogo:

- Mamãe, é claro que a senhora esqueceu! Como é que o seu sapato poderia sumir daqui, se a senhora nem saiu do carro???

- Minha filha, eu num tô doida, não ... Me responda como é que eu iria me arrumar todinha e calçar um sapato só, sem notar a falta do outro pé? Isso é um fenômeno inexplicável! E agora, como é que eu vou entrar na igreja? Vou perder o casamento da minha filha pela falta de um sapato. Que absurdo!!!

Regina Lewinsky também pode ser encontrada aqui.

1.11.09

Baile na casa do Aristides

Ivani Cunha
JORNALISTA CONVIDADO

Deixo a memória viajar até os anos 50: Vila Nova Esperança, região Nordeste de Belo Horizonte. As crianças andavam descalças ou usavam tamanco de madeira e, de uma forma ou de outra, estavam expostas aos escorpiões de agosto, que na minha casa fizeram uma vítima.

A vida era calma e haveria tédio se não tivéssemos um vizinho chamado Aristides, ou Aristides da Margarida – era assim que as pessoas se referiam aos casais na Belo Horizonte da periferia, onde se reproduziam os costumes do interior mineiro. Podia ser também a Margarida do Aristides, mas é dele, o “Tide”, que estou falando, sem desmerecer nem um pouco a mulher.

Éramos vizinhos divididos por uma cerca de arame farpado, que em certas épocas se cobria de ora-pro-nóbis e, em outras, de incontroláveis trepadeiras selvagens. Muros eram dispensáveis naquele tempo. Mas eu acho que às vezes o Aristides preferia que houvesse um bom muro, fácil de escalar, em vez de uma cerca entre os dois lotes. Ele devia pensar assim nas madrugadas em que era obrigado a fugir da própria casa, sob a ameaça de um convidado pé-de-valsa sob efeito do álcool.

Alguns bailes na casa do Aristides por pouco não se transformavam em tragédia. Nosso vizinho promovia pelo menos um arrasta-pé por mês. À noitinha começavam a chegar os casais: as mulheres com os cabelos armados, saias rodadas e boleros bem justos, algumas com uma pinta na face ou no queixo, que era moda; seus acompanhantes, de paletó e gravata, alguns caprichando no linho, podiam pentear os cabelos mirando-se nos bem lustrados sapatos de bico fino.

Essa parte da vila ainda não desfrutava o conforto da energia elétrica, mas sempre havia um grupo de músicos para animar os bailes do Tide, que também dominava o seu instrumento, um reluzente trombone de vara. À luz de lampiões e lamparinas, e irrigados por boa cana e outras bebidas fortes, os casais deslizavam sobre o piso de tijolo areado ao som de boleros, tangos, foxtrotes, rumbas, sambas-canções e outros ritmos.

Ficávamos lá em casa à espera do grito do Aristides:

“Padrinho, me acode que vão me matar.” Meu pai, padrinho de casamento dele, ia até à porta da cozinha para esperá-lo ou corria ao quintal para ajudá-lo a pular a cerca. Depois escondia o afilhado e lhe passava o sermão de sempre:
“Aristides, tenha juízo, um dia você não vai conseguir fugir para cá. Pense nisso. Você tem mulher e filho. Olhe que a bebida só traz complicação...”

Antes do amanhecer, os convidados se despediam, e durante algum tempo ainda se ouviam, bem longe, as notas de uma flauta, quem sabe de um dos músicos que passaram a madrugada tocando. Aristides prometia que no próximo baile seria diferente, com bebida sob controle e nada de briga. Ninguém acreditava.

Algumas horas depois o homem estava bem disposto outra vez, ensaiando alguns acordes no trombone ou treinando em frente da casa uns perdigueiros para ajudá-lo nas caçadas ou render-lhe alguns trocados. À tardinha, o canto das cigarras era quebrado pelo tropel de um cavalo. A poeira vermelha escondia o cavaleiro, mas era sempre ele, o Tide, montado no animal em pelo.

Estava novamente alterado pelo álcool que fora servido de má vontade no bar do Benedito Antão ou no armazém do Antônio Melgaço, que conheciam bem o freguês. O cavalo percorre num galope a rua esburacada, o cavaleiro grita, bate os calcanhares na barriga do animal, balança, escorrega até quase o pescoço do bicho, mas não cai. As mães recolhem os filhos, e a minha diz para a amiga que a visita: “Ele é boa pessoa, não devia beber. Tenho pena da Margarida...”

Aristides era um bom sujeito de verdade, apenas cometia suas pequenas loucuras. Com seus bailes, perdigueiros e exibições de cavaleiro pela esburacada rua Dália, atual Rua Margarida Prachedes, divertia as pessoas e ajudava a empurrar o tempo naquela época em que o mundo era pouco maior do que os nossos quintais.

Mas eu pretendia escrever mesmo era uma crônica sobre um garimpeiro que me pagou apenas a metade do combinado pela revisão de suas histórias.

Que o diabo o carregue!

Ivani Cunha é jornalista em Belo Horizonte