lobo e lua

lobo e lua

22.4.08

Estrada do Mato Alto


Chico PF
(Francisco Paula Freitas)


Caía a tardinha, lá vinham os dois. Às vezes de ônibus, quase sempre de bonde. Ele, empertigado em sua magreza, chapéu na cabeça, gravata com laço grande e bem folgada ao pescoço, sentado, a bengala entre as pernas, de vez em quando cruzava as mãos sobre o seu castão e apoiava o queixo pontudo.

O menino lia em silêncio os cartazes do veículo e vez por outrafazia uma pergunta que o velho respondia escondendo um meio sorriso, achando graça e gostando da curiosidade esperta do neto.

Chegavam. Na porta da vila, antes de entrar, ele se voltava à igrejinha que ficava logo ali, no final da elevação da rua, tirava o chapéu, encostava-o ao peito e balbuciava umas palavras a Deus, que o menino, embora não entendendo o que significavam, respeitava silenciosamente. Nesses momentos, o garoto olhava para o avô e percebia, em seus olhos, lágrimas, que vinham da comunicação entre eles, ambos deuses.

Cumprindo o ritual, entravam na vila e, uns quarenta passos depois, estavam em sua casa. O velho balbuciava novas palavras incompreensíveis ao quadro do Cristo pregado no alto da parede, em frente à entrada, tirava o paletó e mantinha a gravata afrouxada. Fazia umas graças aos presentes e, em seguida, sentava para a sua pequena refeição.

A filha mais velha, que ansiosa os aguardava, beijava-o, despedia-se dele, dos irmãos e da mãe, pegava o seu menino que acabara de chegar e iam embora. Isto era uma rotina. Mas esta era uma outra história.

Naquele dia, já eram quase oito horas da noite e ainda estavam na rua. No bonde aceso e barulhento, que, com a luz amarela, iluminava a rua larga e escura por onde passava, iam o avô e seu neto pelo sertão carioca.

Na zona rural, as ruas mal iluminadas ajudavam a lua cheia a flutuar bem baixo, quase ao alcance da mão. Apesar do verão, o veículo aberto, em ligeiro movimento, dava frescor e tornava a viagem agradável. Menino e velho iam em silêncio. Nas curvas que fazia — viajavam no reboque — o bonde, volta e meia, deixava entrever a lua. O que para o avô era poesia, encantamento, uma lembrança talvez, para o menino era uma novidade. Sair de noite. Que bonito era o luar na roça, como podia ser grande a lua!

O episódio ficou gravado na memória do menino, pois a aventura não era comum. Na rua ainda àquelas horas! A claridade do luar iluminando os amplos capinzais entre as casas espaçadas, uma aqui, outra ali, que no sertão era assim, o bonde, serpenteando devagar, a mão amiga, segura e morna do avô em sua mão, eram coisas que iriam ser de difícil esquecimento. No dia em que aprendeu o significado da palavra esplendor, lembrou-se daquele momento.

O menino, agora pai e homem maduro, visita o primo. Conversam, falam da infância, do passado e bebem. Entre umas e outras, o primo diz:

— Sabe aquele retrato do nosso avô, que ficava na sala de jantar? Está comigo.
A despeito de já se terem ido mais de trinta anos, não era difícil provocar a memória. Havia de fato, entre outros, um retrato do avô pintado a óleo por um consagrado pintor alemão da primeira metade do século passado, que vivera na região serrana. O quadro era de alto valor artístico. Além disso, valia um bom dinheiro.

A tela é trazida à sala. Estava sem a moldura original, que o cupim dera cabo. Ambos, em silêncio, olham o quadro que acostumaram-se a ver quando meninos. Ali estava o rosto de um homem moço, que teria de envelhecer para se tornar o avô do menino que ainda iria nascer, conhecê-lo e amá-lo.

Mas lá no retrato já estava definido o perfil que o acompanhou até o fim da vida: o grande nariz de Dante, romano, adunco, e o queixo pontudo, um tanto prógnata, comum aos bruxos.

O primo, de supetão, diz:

— Leve, é seu. Ele gostava mais de você.

Era verdade e ambos sabiam disso. Aceitou em silêncio e, mais emocionados, beberam mais. Saiu feliz com a tela e lembrou que deveria homenagear o avô. Uma boa e adequada moldura deveria completar o retrato e ele trataria logo de encomendá-la.

Quis o destino que um dia, ao voltar para casa, passasse, por acaso, naquela rua do sertão carioca que, por mais incrível que possa parecer, sem grandes transformações, está praticamente igual à em que, de bonde,viajou com o avô, na linda, fresca e inesquecível noite de luar. Continuam lá os matagais entre as casas espaçadas, uma aqui, outra mais adiante. A lua está lá, brilha reluzente e derrama prata sobre o capim-navalha.

O que há tempos foi menino vai conduzindo o automóvel em direção à sua casa. Relembra e reconstitui a antiga viagem. Já não existe mais o bonde, o frescor daquela antiga noite é substituído pelo ar-condicionado do carro. Não consegue conter a emoção quando, em um repente, lembra que o velho avô viaja com ele.

Não passa agora de um retrato embrulhado no porta-malas.

Do livro "Café e Bar Ponto Chic"- Editora Bertrand Brasil

26 comentários:

Nathália E. disse...

Essa coisa de lembrança e tal, nossa... às vezes bate até uma tristeza. Pois embora tendência seja melhorar, com relação a lembranças, quase sempre a vontade é de voltar no tempo.

Beijo!

Anônimo disse...

Por esse conto já dá para perceber a emoção que vai nos inundar a alma e a ternura que chegará ao coração com a leitura de todo o livro.

Grata por esse momento lindo, amigo, com que nos presenteaste.

Ficam sorrisos e pétalas para enfeitar tua semana, e um beijo do meu para o teu coração, com carinho.

disse...

Ai, que bonito! Algumas lembranças são tão fortes e tão bonitas que deixam em nós um tremendo vazio, como se faltasse um pedaço.

Bjo

Adri disse...

Certas coisas mudam, mas as antigas continuam em nosso coração pra sempre... muito bonito o texto... Bjoka

Nadezhda disse...

"Já não existe mais o bonde, o frescor daquela antiga noite é substituído pelo ar-condicionado do carro".

Mas a lembrança é algo que nunca se perde!

(Bill, já estou lendo o Polanski!)

;)

Letícia Losekann Coelho disse...

Gostei! Lembranças sempre nos reportam a outros tempos, e é bom demais isso!
beijos

Daniela Filipini disse...

Oooi Ooii ^^
tudo beem?
é, eu admito que não li seu post todo ^^
só uma parte lá em cima... Tô sem tempo e tenho 21 comentarioos pra responder.. hehe
tenho certeza que está perfeiiiito
beiijo ;*

Alice Reis disse...

oi bill!

entao.. as negociacoes comecaram..rs. jah mandei as figuras pra ela.. mas acho q ela tah um pokinho sem tempo.. mas td bem!... pelo menos vou ter um template meu!..rs

bjjoooo

Amanda Beatriz disse...

só passei p/ dizer que fiz o template da Alice! Ela ainda não viu, então não sei se gostou! mas olha lá: http://realismoconvincentei.blogspot.com/

beijos!

Teresa disse...

não tenho nada pra dizer, a não ser que achei o texto lindo.

Nostálgico, mas liiiiindo\!

=*

Sheherazade disse...

Bem tocante, esse conto. Só não concordo com a frase final, porque fica bem evidente que esse avô, mesmo hoje, não é apenas um retrato embrulhado no porta-malas do carro ... É uma lembrança vívida e pungente de uma infância saudosa e feliz, como são as infâncias vividas no interior.
Bonito demais, Bill!

Muitos beijos.

Alice Reis disse...

obaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa

chegou meu template!!!! =DD

obrigada bill!!!

bjoooooos!

Anônimo disse...

Lindo e triste. Aliás, como eu (ahahahaha convencidaaaa).

Ricardo Rayol disse...

maravilhoso, um dia escreeverie assim

Tatiani disse...

uau!!
incrivel o texto!
=*
Adorei!!

a disse...

oun, tá lindo o texto *-*
se foi você mesmo que fez parabéns!
^^

é realmente umt exto muito bom para se pensar nas coisas né?!

Beeeeijos

Anônimo disse...

ola amigo. ainda bem k nao me esqueceste eh,eh,eh.. sim eu ainda tou no canada parto dia 7 de maio para portugal
olha eu me enganei e te dei o meu hi5 mal agora te dou o correcto para tu me adicionares
http://carla-granja.hi5.com
espero k me adiciones e obrigado pelo aviso
bjos
carla granja

Anônimo disse...

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Parabéns pelo seu Blog!!!

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Kamilla Barcelos disse...

Achei lindo esse post!! Adorei ler, ele me prendeu do inicio ao fim!

Sonia Regly disse...

Vimconvidá-lo a conhecer o Compartilhando as Letras.Sua visita muito me honrará.Aguardo vc lá!!!!

Yvonne disse...

Bill querido,

Estou tomando a liberdade de enviar um comentário padrão para todos os blogs que eu amo de paixão. O motivo é que resolvi encerrar o meu blog por motivos pessoais. Não tenho mais condições de participar da blogosfera do jeito que eu gosto, mas não vou ficar para todo sempre distante. Por favor, leia o meu último post que explica a minha razão. Informei que vou usar o seu cantinho quando quiser escrever alguma coisa, tá?

Beijocas

Yvonne

Anônimo disse...

Ai que lindoooooo! Se esse conto já é bom demais, imagine então os outros do Chico PF...
Passe lá no meu blog e deixe seu comentário!!!!

Natália Mylonas disse...

Nossa, ao mesmo tempo q ela é triste é linda e emocionante ...


Bjs =)

Stella disse...

Que deliciosa e tocante viagem pela memória.
Nostálgica e doce lembrança de uma época que muitas vezes não se valoriza: a época de nossos avós...

Resgatar, mesmo que apenas num trecho de livro, é manter cada uma dessas pessoas ainda próximas a nós...

Um abraço, Bill, e boa semana!

Alessandra Castro disse...

Melhor mesmo guardar tudo na memoria, um local mais seguro para as mais antigas lembranças.

Auréola Branca disse...

Valorizar cada minuto. Eis o que faço para amenizar a saudade que virá depois.
Abraços...