lobo e lua

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9.7.10

Vinícius de Moraes, poeta e cronista - 19/10/1913 - 9/7/1980

Brotinho Indócil

A insistência daqueles chamados já estava me enchendo a paciência (isto foi há alguns anos). Toda a vez era a mesma voz infantil e a mesma teimosia:

– Mas eu nunca vou à cidade, minha filha. Por que é que você não toma juízo e não esquece essa bobagem...

A resposta vinha clara, prática, persuasiva:

– Olha que eu sou um broto muito bonitinho... E depois, não é nada do que você pensa não, seu bobo. Eu quero só que você autografe para mim a sua Antologia Poética, morou?

Morar eu morava. É danadamente difícil ser indelicado com uma mulher, sobretudo quando já se facilitou um bocadinho. Aventei a hipótese:

– Mas... e se você for um bagulho horrível? Não é chato para nós ambos?

A risada veio límpida como a própria verdade enunciada:

– Sou uma gracinha.

Mnhum – mnhum. Comecei a sentir-me nojento, uma espécie de Nabokov avant la lettre, com aquela Lolita de araque a querer arrastar-me para o seu mundo de ninfeta. Não resistiria.

– Adeus. Vê se não telefona mais, por favor...

– Adeus. Espero você às quatro, diante da ABI. Quando você vir um brotinho lindo, você sabe que sou eu. Você, eu conheço. Tenho até retratos seus...

Não fui, é claro. Mas o telefone no dia seguinte tocou.

– Ingrato...

– Onde é que você mora, hein?

– Na Tijuca. Por quê?

– Por nada. Você não desiste, não é?

– Nem morta.

– Está bem. São três da tarde; às quatro estarei na porta da ABI. Se quiser dar o bolo, pode dar. Tenho de toda maneira que ir à cidade.

– Malcriado... Você vai cair duro quando me vir.

Desta vez fui. E qual não é minha surpresa quando, às quatro e ponto, vejo aproximar-se de mim a coisinha mais linda do mundo: um pouco mais de um metro e meio de mulherzinha em uniforme colegial, saltos baixos e rabinho de cavalo, rosto lavado, olhos enormes: uma graça completa. Teria, no máximo, treze anos. Apresentou-me sorridente o livro:

– Põe uma coisa bem bonitinha para mim, por favor?

E como eu lhe respondesse ao sorriso:

– Então, está desapontado?

Escrevi a dedicatória sem dar-lhe trela. Ela leu atentamente, teve um muxoxo:

– Ih, que sério...

Embora morto de vontade de rir, contive-me para retorquir-lhe:

– É, sou um homem sério. E daí?

O "e daí" é que foi a minha perdição. Seus olhos brilharam e ela disse rápido:

– Daí que os homens sérios podem muito bem levar brotinhos ao cinema...

Olhei-a com um falso ar severo:

– Você está vendo aquele Café ali? Se você não desaparecer daqui imediatamente, eu vou àquele Café, ligo para sua mãe ou seu pai e digo para virem buscar você aqui de chinelo, você está ouvindo? De chinelo!

Ela me ouviu, parada, um arzinho meio triste como o de uma menina a quem não se fez a vontade. Depois disse, devagar, olhando-me bem nos olhos:

– Você não sabe o que está perdendo...

E saiu em frente, desenvolvendo, para o lado da avenida.

1966

in Para uma menina com uma flor (crônicas)
in Poesia completa e prosa: "Para uma menina com uma flor"

32 comentários:

Tahiana Andrade disse...

Vinícius de Moraes sempre foi um escritor encantador!
Este texto eu desconhecia.

Beijos

♪ Sil disse...

Que lindooo Bill, não conhecia!

Tava com saudade de passar aqui!

Beijão!

Sueli disse...

O pior é que ele deveria saber sim o que estava perdendo, Bill...rs. Beijão!

Sueli disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
ONG ALERTA disse...

Ele foi um mestre, paz.
Beijo Lisette

@juusep disse...

Vínicius de Moraes foi e é O mestre!

Lilá(s) disse...

Vinícius de Moraes sempre me encantou.
Bjs

Dani Pedroza disse...

Depois de um tempo volto e vejo Vinícius. E essa garota hein. Acho que preciso tomar aulas urgentes com ela, Bill. Bjs !!!

Ah, postei um texto que não sei por que achei a cara do Jornal da Lua, se eu não estivesse tão sem vontade de escrever e precisando postar alguma coisa no Impressões teria te mandado.

Kamilla Barcelos disse...

Vinícius sempre foi namorador. Deve ter sido dificil ele dispensar uma menina! hahaha
Vinicíus de Moraes era pura poesia, até a sua vida.

Nathalie disse...

Vinicius... para sempre Vinicius!

Anônimo disse...

Não conheço mta coisa dele, mas o pouco que leio acho fascinante.
Nossa Bill, valeu pelas indicações lá no blog! Vc parece ser tao cinefilo qto eu! ou mais ainda, rs...

Alias, fique a vontade quando quiser dar as caras por lá com posts! seris uma honra! hehehehe

bjos e td de bom!

Nanah X.

Tais Luso de Carvalho disse...

Ontem, sábado, assisti um documentário com Vinícius, Tom, Toquinho... Saudades das coisas lindas daquele tempo. O que temos hoje que dê para se comparar?
Ótima postagem.
Beijo
Tais luso

Anônimo disse...

Gosto tanto do estilo do Vinicius em seus textos. Estudei sobre ele nesse bimestre na escola *-*

Obrigada flor, pelo comentário (:
Beijos

Rívia Petermann disse...

Ooi

Vinicius é incrível!Belo post!

Brigada pelo comentário,embora eu ache que não mereço "ao estilo dos grandes filósofos",rsrs

Mas minha intenção não foi fazer nenhuma alusão a Sófocles,ou mesmo o contrário;pois penso que nascer talvez seja a maior dádiva de todas,pois o não-nascer é o nao-saber,não-sentir,embora eu ainda ache Sófocles incrível,e Woody Allen também...
Ah,e adorei o trocadilho"Antígona,antigona"!rsrsrs
O filme já vi,agora falta a peça...sugestão anotada!

Beijos!

Vitória Doretto disse...

Adorei o post!
Acho que já conhecia esse texto?
De qualquer jeito, Vinicius de Moraes é um dos meus escritores favoitos.

Bjão =^.^=

Daniela Filipini disse...

Maravilhoso!
Vinicius de Moraes é um dos melhores.

Clarisse Bastos disse...

Grande Vinicius de Moraes. Eu tenho esse livro, "Para uma menina com uma flor". É realmente mto bom *-*

Beijos grandes.

Insana disse...

Vinicius sabia o que escrever e as vezes parecia que sabia para quem escrever..
quem nunca se perdeu em suas palavras se confundindo com seus momentos.

bjs
Insana

Barbara disse...

Ele sabia ver beleza como ninguém.
Mas também sabia como era saber ou não saber o que perdia.
Um gentleman.

Kaah disse...

Ele é o mestre né! beijokas tenha uma ótima semana!

Ana Beatriz disse...

Não conhecia esse texto, mais já me deu vontade de ler mais e uma alegria imensa. Muito encantador. Hoje em dia várias menininhas querem se sentir maiores do que são... e cada vez mais apaixonadas pela leitura!

Aracy Crespo disse...

Oi Bill,

É sempre um prestígio ler Vinicios, muito bom o texto, parabéns...


Bjsss

Carol Garcia disse...

nunca parei pra ler sobre ele !
gostei >D

Lua disse...

Adorei! Ouve-se tanto falar dele, mas conheço pouco. Vou até procurar mais crônicas.
E me desculpe sumir, viu? Mas gostei muito do comentário no último post, até roubei sua frase para o meu subnick de msn hein? Mudou completamente a perpectiva da história e eu gostei.
Beijos!

Doroni Hilgenberg disse...

Sou Fã de Vinicius mas não conhecia esse texto

Já naquela época as meninas eram sapecas e tudo faziam por um autografo... inda mais de Vinicius que sempre foi d+.
bjs

Géssica disse...

Nao conheço muito sobre ele, praticamente nada sei sobre vinicius, mais o pouco que sei ja me basta pra saber o quanto que ele era bom,bom mesmo, ja li algumas coisas dele, e gosto de algumas musicas que ele escreveu.


até...
ps: se cuida

Anna Vitória disse...

Ah, Poetinha...
Amo esse livro demais demais! As crônicas de Vinícius são tão adoráveis, todas carregam esse charme carioca todo dele!
Beijo

Nayara Marques disse...

Adoro Vinícius de Moraes, meu poema preferido é dele. Esta crônica me lembrou tanto Nabokov, como o próprio Vinícius cita. Adorei!

Beijs :*

Érica Ferro disse...

Essa menininha é bem safadinha, queria pegar o Poetinha! Huahuahua...

Vinícius... Sempre fantástico!

Obrigada pelo elogio no meu último post. :D

=*

Rose disse...

Um encanto Bill! Vinícius... um grande mestre da poesia. Adorei beijos!

Layz Costa disse...

Vinícius, meu poetinha!
Lindo o texto, ele é sempre incrível, cheio de nuances, sempre apaixonante!

beijo, obrigada pela visita e volte sempre.
=*

Helô Müller disse...

Ahh Vinicius, quanta saudade!
Uma gracinha de texto!! Brotinho danadinho, né?! rs
Bj meu!
Helô

P.s. Gosto quando aparece por lá!