Jornal da Lua
FUNDADO EM 1º DE ABRIL DE 2007
8.9.11
A porta entreaberta
Conto de CHICO PF
(Francisco Paula Freitas)
O que se vê pela porta entreaberta é desolador. Lá está sentado, na beira da cama, nu e imóvel, um homem velho e magro. Curvado. A cabeça inclinada sobre o peito exibe a derrota, o final. Arfa compassadamente, parece calmo e não sofrer. Da calva pendem uns fios de cabelos brancos desgrenhados. Os olhos, não dá para ver, parecem fechados. O claro e transparente olhar azul deve ser agora apenas névoa embaciada. O que terá sido feito dos óculos de grossas lentes e hastes de tartaruga? O nariz, outrora rubro como imenso pimentão, assume pálido a cor de cera do rosto magro, encovado. A boca, vazia de todos os dentes, semi-aberta, não fecha, não ri, não chora. O lábio inferior, de onde escorre fino fio de baba, pende e não há forças para fazê-lo subir. Onde a blague, o impropério, o palavrão, a oração? A grande orelha de abano parece ainda maior.
Silêncio no quarto. Não se ouve um som, uma palavra. Uma frase que seja, de qualquer velha canção napolitana. Os ombros, vê-se melhor o direito, encolhidos, convergem como se quisessem juntar um ao outro. Os braços longos — é um homem alto —, largados, ao se dobrarem fazem os cotovelos apontar para trás. O que um dia foram bíceps e tríceps são hoje carnes inertes, sem tônus, cobertas por um tecido flácido que cobre o frágil úmero. As mãos não mais se retrairão, encabuladas, quando acorrerem para beijá-las na busca da bênção. Espalmadas, apóiam-se no limite do colchão, e os dedos se dobram sobre ele. É certo que não haverá mais abraços.
Pendurada na cabeceira, repousa a bengala de junco com castão de âmbar. Mais serviu para compor a elegância e prevenir ataque de cachorro do que o ajudou a caminhar. Na parede, no centro, em cima da cama, a pequenina pintura oval mostra uma mulher de joelhos agarrada aos pés de uma cruz fincada em meio a um mar revolto. No céu, a palavra Fé.
Não há glúteo. A coluna está enfiada diretamente na cama. Ligado como que saído debaixo das vértebras, é visível uma parte do ilíaco, o osso da bacia, onde vai se encostar o fêmur. A pele muito clara deixa transparecer na coxa marmórea, magra e descarnada, algumas veias azuladas e violáceas. O membro, que não conheceu outro caminho que não fosse o da sua Maria e a ela levou seus dez filhos, é um pedaço de carne sem vida, assentado sobre bagos relaxados e gelatinosos. Não sabe mais existir. O que está lá, e protegeu-lhe o púbis ao longo da longa vida, já não são cabelos, são compridos fiapos brancos sem espessura e vigor. Não cumprem sua função.
No dedo anular da mão direita não está o anel, motivo de alegria e modesta vaidade, um cabochon de ouro e rubi. Os pés, tornozelos bastante inchados, se apóiam em pequeno tapete surrado, estampado em tonalidade vermelha. A cor só faz acentuar a sua miséria, forçando o contraste com a alvura da pele. As unhas encardidas, amarelecidas, não estão aparadas. Quem as cortaria, agora? E ele? Permitiria?
Pode-se ver o cabideiro. Algumas gravatas surradas. Em uma, com o laço ainda feito, espetada como alfinete, reluz a paleta de ouro com pedrinhas incrustadas imitando as cores das tintas. Um suspensório, uns panos e trapos não identificados. Pendurado no gancho de cima, o chapéu cinza de feltro, para o inverno. No armário, junto à umidade e ao mofo, deve o de panamá, para o verão, adormecer e criar bolor. Na cidade, sem chapéu e gravata, nunca. Uma calça, pendurada pelo cós, mostra trazido para fora, o forro de um bolso vazio.As notas do dinheiro não serão mais esticadas, alisadas e caprichosamente arrumadas do valor da menor para a maior. De quem agora os genros tomarão? A velha ladainha: até o fim do mês sem falta etc. etc?
Folgados, dois números maior, os sapatos — marrons, nunca usou algo preto — não o levarão mais às lutas diárias e aos passeios frequentes. Onde andarão? Devem estar embaixo da cama. Há uma semana não os calça. Não sentirão mais as ruas... Os museus, os casebres, os palacetes, as casas modestas, os palácios e as tantas igrejas não mais os receberão.
Já rejeitou a colher de xarope e os comprimidos. Não aceita o termômetro. Ontem deixou que o barbeiro entrasse, mas não permitiu que lhe fizesse a barba e nem lhe cortasse o cabelo. Pediu que se sentasse à sua frente. Quis apenas olhar para ele, um pouco.
Não se vê pela porta entreaberta, mas é possível imaginar algumas névoas em seus pensamentos. Elas podem conduzir a uma fatia de mamão com as pevides; a uma certa caixa com bisnagas e pincéis com os quais e pelos quais viveu todo o seu tempo; a um pôr-do-sol , um crepúsculo, um pregão ao longe; ao crayon ou fusain, seguro entre o polegar e o indicador, braço esticado, um olho fechado, o outro aberto, a servir de escala para roubar à natureza a mancha do esboço... a uma colher de mel de abelhas, uma blague e à oração antes de ir dormir. A doce e inofensiva marmelada a ser protegida dos avanços dos netos escondida lá em cima no étagère... a uma furtiva lágrima que sempre rolou ao lembrar da mãe...
Não quer mais falar, nem abrir os olhos. Está se preparando para o Céu que a vida inteira e ainda agora imagina existir. Sabe que lá vai se ter ao lado do maior amigo, o Mestre, o Cristo. Vai rever velhos pintores, músicos, sapateiros, cantores, alfaiates, escultores, jardineiros, filhos, os mortos e os vivos, pais, amigos, peixeiros, poetas, doutores, barbeiros, juízes, padeiros...
Vai, convicto, encetar nova viagem, agora no rumo da vida eterna na qual sempre acreditou.
Seja.
Publicado em "Café e Bar Ponto Chic", Editora Bertrand Brasil, 2003.
25.6.11
Quando os fãs ficam órfãos
Michael Jackson - 1958/?
Logo que soube da morte de Michael Jackson, me lembrei de um faxineiro que trabalhava na galeria onde eu tinha uma loja de discos.Ele dizia ter 20 anos, mas parecia menos, pois era franzino, muito magro e baixinho. Assim que abri a loja, ele apareceu e perguntou se tinha lá algum disco de Michael Jackson. "Tem alguns", eu disse. "Qual você procura?" "Na verdade, nenhum, pois tenho todos. Só quero saber, pois, na hora do almoço, posso vir aqui e ouvir um pouquinho?"
"Claro, pode vir", eu disse.
E ele sempre aparecia lá, escolhia uma faixa e começava a dançar, daquele jeito que seu ídolo tinha imortalizado. Sorria, dizia que era o máximo e depois voltava ao trabalho de limpar a galeria.
Durante quatro anos, ele cumpriu esse ritual de aparecer e pedir pra ouvir Michael Jackson.Depois, fechei a loja e nunca mais voltei lá. A notícia da morte de Jackson fez com que eu me lembrasse dele e de outras figuras que passavam por lá. Tinha um que andava com uma foto do Bono no bolso. Ele parava qualquer pessoa, na galeria ou dentro das lojas, tirava a foto do bolso e perguntava: "Não sou parecido com ele?" E, se a pessoa demonstrava alguma dúvida, ele ficava de perfil e perguntava novamente: "Assim, nessa posição, não parece?"
Também passavam por lá o Elvis jovem e o Elvis quarentão. Explico: um imitava o rei do rock nos anos 50, com topete, enquanto o outro era gordo e usava um cavanhaque enorme, além de tentar imitar o modo de andar de Elvis, tudo muito bem estudado.
Os clientes, em geral, eram fãs que imitavam seus ídolos. Um imitava John Lennon, outro o Jim Morrison, tinha também Jimi Hendrix, James Brown...
Um dia, percebi uma grande aglomeração no corredor e fui ver o que era. Tomei o maior susto, pois podia jurar que era o próprio Michael Jackson! O sujeito era alto, tinha uma daquelas roupas que Jackson vestia nos shows, igual a um uniforme militar, um tom de pele muito parecido com o astro que deixava de ser negro, também usava maquiagem, inclusive nos olhos, o cabelo com uma ponta escorrendo pela testa, um chapéu... Impressionante a semelhança!
O faxineiro estava lá, no meio da multidão. Pequenino, com seu uniforme cinza, sorria e observava o sósia. Quando tudo acabou, ele entrou na minha loja e disse:
"É bom a gente ter um ídolo, né?"
Por isso, dei como incerta a morte de Michael Jackson no título deste post. Quem tem um ídolo, vivo ou morto, sabe do que falo. Aquele pobre faxineiro, que morava longe e levava horas de ônibus pra chegar na galeria e voltar pra casa, tinha em Michael Jackson um forte motivo pra viver e ser feliz. Hoje, ele deve estar triste, mas logo voltará a ouvir as músicas de seu ídolo e dançar como se estivesse em um palco.
Quando me lembrei dele, depois que soube da morte de Jackson, uma música invadiu meus pensamentos. Foi "Gente Humilde", de Garoto, Vinícius de Moraes e Chico Buarque de Hollanda:
"Tem certos dias
Em que eu penso em minha gente
E sinto assim
Todo o meu peito se apertar
Porque parece
Que acontece de repente
Feito um desejo de eu viver
Sem me notar
Igual a como
Quando eu passo no subúrbio
Eu muito bem
Vindo de trem de algum lugar
E aí me dá
Como uma inveja dessa gente
Que vai em frente
Sem nem ter com quem contar
São casas simples
Com cadeiras na calçada
E na fachada
Escrito em cima que é um lar
Pela varanda
Flores tristes e baldias
Como a alegria
Que não tem onde encostar
E aí me dá uma tristeza
No meu peito
Feito um despeito
De eu não ter como lutar
E eu que não creio
Peço a Deus por minha gente
É gente humilde
Que vontade de chorar"
13.6.11
Poema em Linha Reta
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar
banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo
ainda;
e tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes
- na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta
terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
8.5.11
Ensinamentos maternos
Minha mãe me ensinou a RETIDÃO...
"EU TE AJEITO NEM QUE SEJA NA PANCADA!"
Minha mãe me ensinou a DAR VALOR AO TRABALHO DOS OUTROS...
"SE VOCÊ E SEU IRMÃO QUEREM SE MATAR, VÃO PRA FORA. ACABEI DE LIMPAR A CASA!"
Minha mãe me ensinou LÓGICA E HIERARQUIA...
"PORQUE EU DIGO QUE É ASSIM! PONTO FINAL! QUEM É QUE MANDA AQUI?"
Minha mãe me ensinou o que é MOTIVAÇÃO...
"CONTINUA CHORANDO QUE EU VOU TE DAR UMA RAZÃO VERDADEIRA PRA VOCÊ CHORAR!"
Minha mãe me ensinou a CONTRADIÇÃO...
" FECHA A BOCA E COME!"
Minha mãe me ensinou sobre ANTECIPAÇÃO...
"ESPERA SÓ ATÉ SEU PAI CHEGAR EM CASA!"
Minha mãe me ensinou sobre PACIÊNCIA...
"CALMA!... QUANDO CHEGARMOS EM CASA, VOCÊ VAI VER SÓ..."
Minha mãe me ensinou a ENFRENTAR OS DESAFIOS...
"OLHE PRA MIM! ME RESPONDA QUANDO EU TE FIZER UMA PERGUNTA!"
Minha mãe me ensinou sobre RACIOCÍNIO LÓGICO...
"SE VOCÊ CAIR DESSA ÁRVORE, VAI QUEBRAR O PESCOÇO E EU VOU TE DAR UMA SURRA!"
Minha mãe me ensinou sobre o REINO ANIMAL...
"SE VOCÊ NÃO COMER ESSAS VERDURAS, OS BICHOS DA SUA BARRIGA VÃO COMER VOCÊ!"
Minha mãe me ensinou sobre GENÉTICA...
"VOCÊ É IGUALZINHO AO SEU PAI!"
Minha mãe me ensinou sobre minhas RAÍZES...
"TÁ PENSANDO QUE NASCEU DE FAMÍLIA RICA, É?"
Minha mãe me ensinou sobre JUSTIÇA...
"UM DIA VOCÊ TERÁ SEUS FILHOS, E EU ESPERO QUE ELES FAÇAM PRA VOCÊ O MESMO QUE VOCÊ FAZ PRA MIM! AÍ VOCÊ VAI VER O QUE É BOM!"
Minha mãe me ensinou RELIGIÃO...
"MELHOR REZAR PRA ESSA MANCHA SAIR DO TAPETE!"
Minha mãe me ensinou o BEIJO DE ESQUIMÓ...
"SE RABISCAR DE NOVO, EU ESFREGO SEU NARIZ NA PAREDE!"
Minha mãe me ensinou CONTORCIONISMO...
"OLHA SÓ ESSA ORELHA! QUE NOJO!"
Minha mãe me ensinou DETERMINAÇÃO...
"VAI FICAR AÍ SENTADO ATÉ COMER TUDO!"
Minha mãe me ensinou habilidades como VENTRÍLOQUO...
"NÃO RESMUNGUE! CALA ESSA BOCA E ME DIGA POR QUE É QUE VOCÊ FEZ ISSO?"
Minha mãe me ensinou a SER OBJETIVO...
"EU TE AJEITO NUMA PANCADA SÓ!"
Minha mãe me ensinou a ESCUTAR ...
"SE VOCÊ NÃO ABAIXAR O VOLUME, EU VOU AÍ E QUEBRO ESSE RÁDIO!"
Minha mãe me ensinou a TER GOSTO PELOS ESTUDOS...
"SE EU FOR AÍ E VOCÊ NÃO TIVER TERMINADO ESSA LIÇÃO, VOCÊ JÁ SABE!..."
Minha mãe me ajudou na COORDENAÇÃO MOTORA...
"JUNTA AGORA ESSES BRINQUEDOS!! PEGA UM POR UM!!"
Minha mãe me ensinou os NÚMEROS...
"VOU CONTAR ATÉ DEZ. SE ESSE VASO NÃO APARECER, VOCÊ LEVA UMA SURRA!"
1.4.11
Quatro anos
1.3.11
A importância da receita médica
23.1.11
Cidadão Kane
Um clássico inesquecível! Sigam este link:
http://lematinee.wordpress.com/2011/01/19/cidadao-kane-1941/
7.1.11
Receita de frango com batatas
500 ml de azeite extra virgem
Cheiro verde e pimenta a gosto
MODO DE PREPARAR
Gratine as batatas
Beba uma dose de whisky
Tempere o frango com cheiro verde, pimenta e azeite
Tome mais duas doses de whisky
Junte as baatatass no frango e leve ao forno
Toma oooooutra dose de uissski
Acompanhe visualmente o pato, quer dizer o vrango, pra num queimá
Mais uma dose de uviske
Deixa ele no vorno umas 04 horas bra ele zi vudê de calor e bebe oviske na gaaaarraaaava memo
Tira o bicho daquela pooorrra de vorno
Pega o vrango que caiu no jão e limpa ca gamisa memo
Bebe mais uma
Desliga a bóóóósta do vogão, garaio!
Zi voda que queimô, cê nem gossta muito desssta porrra de bato
Pega o que zobrô do viski, liga a tevesisão, deita no zofá e dórmi!
26.12.10
Então, é Natal?!
Rúbia Gondim