
Yvonne Dimanche
CORRESPONDENTE
Vi na televisão um documentário chamado "Roube um lápis para mim". Trata-se da história verídica de um casal de judeus holandeses (Jacob e Inaka Polak) que se conheceu na Segunda Guerra Mundial. Ele, feio, careca, pobre, contador, dez anos mais velho do que ela e casado com uma mulher instável. Inaka era bonita, rica e namorava um rapaz que não chegou a viver muito tempo. Em que pese o grande drama vivido por essas pessoas e suas famílias, poderíamos dizer que eles tiveram alguma sorte, visto que ficaram em um campo que não era tão pavoroso como os demais e as mortes não foram muitas.
Um romance entre um homem casado e uma jovem solteira é assunto tabu até mesmo nos dias de hoje. Eles se conheceram em uma festa e ele se apaixonou perdidamente por ela. As famílias de ambos foram enviadas para esse tal campo em 1943 e todos ficaram no mesmo alojamento. Como ela conseguiu ter uma tarefa burocrática, não foi difícil ter acesso a papéis e lápis. Então os dois resolveram trocar cartas que são simplesmente magníficas e belas, principalmente as dele. Essas cartas ficaram com eles, só que as dela, justamente no dia de sua libertação, caíram na água e ficaram estragadas, só sobraram dez.
Bom, milhões de desgraças depois, ele foi transferido para Bergen Belsen e ela para outro campo cujo nome não me recordo. Acabaram-se as cartas e os dois comendo o pão que o diabo amassou. Até que a guerra acabou e ambos voltaram para Amsterdam. Em 1946, eles se casaram e realmente foram felizes para sempre. Tiveram filhos, netos e bisnetos e até 2007 ainda estavam vivos. Ela, uma senhora extremamente linda, e ele continuou mais feio do que a necessidade, porém charmosíssimo. O amor deles nunca acabou e me deixou sensibilizada demais.
O que eu achei uma maravilha nessa história é que o desejo de realizar esse amor, tão logo acabasse a guerra, foi o que motivou os dois a continuarem vivos. Tiveram alguma sorte no primeiro campo, se é que se pode chamar isso de sorte, mas posteriormente sofreram demais com doenças intermináveis e tudo mais que vocês já tiveram oportunidade de tomar conhecimento.
Esse romance representou para mim um hino ao amor e à superação humana. Enquanto algumas pessoas desistem de viver por conta de uma paixão que foi embora ou porque o seu time foi rebaixado para a segunda divisão, outros fazem opção pela vida e todo o seu esplendor. Foram humilhados e torturados pelos nazistas, mas sempre conservaram dentro de si a sua dignidade e vontade de viver. Eles derrotaram os bárbaros e não se permitiram serem coitados. Conseguiram ser felizes, sabe Deus como.
Quando tomo conhecimento de histórias do tipo, chego à conclusão que não adianta procurar Deus ou satisfação em religiões, ideologias, dinheiro, poder ou seja lá o que for. Tudo que existe de bom no mundo está dentro de nós mesmos e ninguém tem condições de nos tornar felizes, caso não tenhamos vontade de ser felizes. Obrigada, Jacob! Obrigada, Inaka!
Durante alguns anos, Yvonne publicou um dos melhores blogs que conhecemos, o BlogGente. Hoje, dedica-se a outras atividades e é correspondente do Jornal da Lua em Guarapari, Espírito Santo.