Regina LewinskyCORRESPONDENTEAnselmo era um sujeito casado, mas, também, boêmio e mulherengo de carteirinha. Sempre que tinha uma chance, "aprontava", entregando-se a homéricas farras, o que fazia a sua infeliz consorte(?) se descabelar e viver no seu encalço, sempre que possível.
Em uma de suas furtivas noites de orgia, depois de tomar todas com colegas de trabalho, num pouco recomendável barzinho da periferia, cada um arranjou uma parceira e saíram em caravana pra a beira-mar; dois casais em cada carro, com a "inocente" finalidade de assistir "corrida de submarino", num tempo em que essa prática não significava, ainda, um risco de vida.
E foi um tal de pernas, braços e cabeças a se engalfinharem naquele pequeno espaço, em frontal desafio à Lei de Newton ... uma verdadeira promiscuidade!
Ao raiar o dia, percebeu, horrorizado, que havia extrapolado o limite do horário de chegar em casa ainda com uma desculpa razoável e, desfazendo-se das sua parceira, rumou pro seu lar, "bolando" uma justificativa possível pra aquele execrável ato. Ao aproximar-se de casa, desde longe Anselmo vislumbrou o seu mais temível pesadelo: lá estavam, alinhadas que nem meio-fio, sua esposa e ninguém menos que a sua temível sogra, contumaz desafeta, que nunca entendeu o porquê da filha ter escolhido "semelhante cafajeste pra marido, quando havia tido tantos pretendentes tão mais aceitáveis antes dele".
O cara gelou, quando viu o que o aguardava: as duas, de "mãos nos quartos", balançando uma das pernas, numa ameaçadora coreografia sincronizada, com aquelas caras de quem está prestes a explodir (só faltava o fatídico rodo nas mãos), o fulminavam com olhares nada compreensivos.
Dentre todos os impropérios que ouviu, enquanto fechava o carro, só uma frase o fez estremecer: "Vamos chegar atrasadas no casamento!" ... Foi aí que ele lembrou: logo mais, às 9 horas, o casal estava escalado para apadrinhar o casamento de uma das irmãs da esposa e o evento iria se realizar numa cidadezinha a uns 200 km dali!
O miserável quis morrer! Com aquela ressaca, aquele gosto de brecha de tamborete e de cabo de guarda-chuva na boca, um sono de matar e a cabeça a ponto de estourar, ainda tinha que se por lindo e loiro, todo engravatado, em um recinto em que estaria presente toda a família dela (que, não por acaso, não o via com bons olhos). ERA A MORTE!
Aproveitando-se do pouco tempo que tinha pra se arrumar e tentar se recompor, passou pelas duas feito uma bala, sem dar a mínima satisfação, se fingindo preocupado com o adiantado da hora. Entrou embaixo do chuveiro, gargarejou um desinfetante bucal, pra disfarçar o bafo de onça, arrumou-se todo, perfumou-se e entrou no carro, onde as duas já haviam se aboletado, pensando na desagradável cantilena que iria escutar durante todo o percurso, o que, com efeito, aconteceu.
Tentando desenvolver a velocidade máxima, pra abafar as impiedosas vozes das duas, sentiu alguma coisa impedindo-o de acelerar. Foi aí que ele petrificou: ao dar uma espiada pra baixo, vislumbrou um sapato de mulher! Pronto. Estava perdido! Como defender-se do indefensável, agora que aquele inanimado objeto, silenciosamente, "entregava" sua abominável traquinagem?
Como todo bom malandro, logo teve uma idéia: inventou que o carro estava apresentando um problema, diminuiu a marcha, abriu a porta, fingindo olhar o pneu traseiro e arremeteu no acostamento a prova do crime. Oh! Que alívio! Agora podia seguir a viagem sem mais atropelos que não o blá-blá-blá daquelas duas! Chegou à igreja a tempo de ver que o carro que conduzia a noiva ainda adentrava o pátio. Apressado, dirigiu-se à entrada lateral, quando viu que as suas companheiras de viagem sequer haviam ainda saído do carro ...
"Ora, bolas!" - resmungou - "Essas duas com tanta pressa e ficam ali, só falando mal de mim". Voltou, já com ares de quem ia repreendê-las pela demora, mas parou e deu meia-volta, rindo cínicamente entredentes, quando ouviu o seguinte diálogo:
- Mamãe, é claro que a senhora esqueceu! Como é que o seu sapato poderia sumir daqui, se a senhora nem saiu do carro???
- Minha filha, eu num tô doida, não ... Me responda como é que eu iria me arrumar todinha e calçar um sapato só, sem notar a falta do outro pé? Isso é um fenômeno inexplicável! E agora, como é que eu vou entrar na igreja? Vou perder o casamento da minha filha pela falta de um sapato. Que absurdo!!!
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