
Chico PF
(Francisco Paula Freitas)
– Lalau é o escambau, que eu não afanei nada de ninguém. Fico aqui o dia inteiro, dando duro no batente, vendendo meu capilé, trabalhando como um desgraçado, toda hora tendo que espalhar serragem pelo chão, que nunca vi gente tão porca, cospem pra todo lado, e você, que não sai desse bem-bom, ainda vem dizer que aquele pau-d’água falou que eu malhei a cara-metade dele na despesa? Não sou nenhum santinho do pau oco, mas isso eu não fiz e nem faço. Cuidado comigo que hoje eu amanheci de ovo virado.
— Calma, as coisas não são bem assim. Você precisa morigerar. Só porque dá duro pra caramba e no final do dia fica esfalfado do lesco-lesco, não tem o direito de apresentar uma conta fajutada. Você não pode fazer isso. Principalmente com uma mulher desacompanhada. Ele me contou tudo, tintim por tintim. Disse que ela está amuada contigo.
— Que papo é esse, rapaz? Parece que você tá com a cachorra. Tem procuração para defender esses pilantras? Não deve ter e, pelo que vejo, também não está acreditando no que eu digo. Eu não gosto de disse-me-disse, mas é bom ficar sabendo: se há um vivaldino nessa história, não sou eu que fico aqui me estuporando e sim aquele pé-de-chinelo, que vive ao deus-dará e se intitula dono da sirigaita. Ele não se manca, deixa a mulher ficar batendo perna por aí, vir ao bar sozinha e depois vem demandar. O que você não sabia e fica sabendo agora é que ele larga ela por aí, pela rua da amargura, mas vive fazendo reclame. Diz que ela é da pontinha, que tem it, que é avançada, que nem combinação e porta-seios usa. Quer saber? Desconfio que ele até manda ela se virar. Pinta de marafona ela já tem, e de sobra...
— Tome tenência, rapaz, ele não é o três com goma que você está pensando. O homem é valente. Falou que amanhã, quando vier tomar a média com canoa na manteiga, não vai nem querer ouvir você pedir penico. Se continuar assim, você vai é viajar para a cidade de pés juntos. Eu, no seu lugar, ia preparando umas batidas e uns salgadinhos para o gurufim.
— Eu, hein, rosa, sai pra lá! Valente coisa nenhuma, lugar de valente é na linha de frente. Tu pensa que eu tenho medo daquele pau-de-virar-tripa? Não tenho, e te adianto: se ele ficar com esse parangolé de otário, neguinho ainda leva a devassa que ele diz que é dele, de vez. Mas isso não me interessa, eu sou comerciante e quero é o meu. Não sou da laia deles, não vivo de me-dá, me-dá e o que vem de baixo não me atinge. Se aquela bola maltravada, aquele caixão sem alças, aquele pirilampo vier aqui, não me pagar e me desacatar, não vai ter jeito, dou-lhe uma bifa, a groselha vai escorrer pela cara e ele vai ter que recolher o chinelo charlote e se picar. Com as perninhas de saracura e aquele andar de gabiru, não vai dar para ir muito longe... Gurufim, se tiver, não vai ser para mim. Você, que é amigo dele, pode ir fazendo a vaquinha...
— Tu tem que cobrar é dela, rapaz. O cara não tem culpa; a mulher contou pra ele o que houve. Disse que você ficou falando só safadeza, tirando onda e se exibindo. Quando viu que ela te dispensou, aí você forçou a mão no lápis...
— Nada disso, dispensar coisíssima nenhuma, quando eu apresentei a dolorosa, a jabiraca é que veio com o papo de que estava tesa, que sustentava ele e ainda por cima morava longe, em uma meia-água de telha-vã e coisa e loisa. Pra você ter uma idéia, só de croquete, a doidivana e a mocoronga, amiga dela, por sinal, um peixão, ô mulher bem apanhada, comeram mais de oito! Eu senti a cascata, porque logo depois de armar o charivari, ela amansou e engrenou uma de que lá pras suas bandas tinha um arrasta-pé para pé-de-valsa nenhum botar defeito. Disse isso, dando a entender que eu aparecesse um dia. Não sou metido à besta, mas no ar, eu senti que a coisa era chinfrim. Ela percebeu e emendou um lero, dizendo que realmente o bate-coxas podia não ser para um magnata do meu tope, que era longe, mas mesmo assim, ela mandaria o convite e que muito malandro gostaria de receber um erreéssevepê desses. O baile era bom, tinha muita pastora, muita cabrocha, se insinuou e fez o jeito. Ela era mesmo uma jambete de não se jogar fora... Mudei de idéia. Percebi o jogo forte, vi que ela, no duro, era da gandaia, da pá-virada e cheguei a pensar em dar um bordejo lá. Era só aparar o bigode, mandar o jaquetão para o tintureiro, dar um brilho no pisante, jogar uma brilhantina no curto-cheio, fazer um laço triângulo, e... olha lá o bacana.
— O que você está me dizendo? Quer dizer que você passou mesmo a cantada na mulher do Braz? Cruz-credo, você tá é doido, rapaz! Pensa que ele é bocó? Ele é perverso. Eu acho que você vai mesmo é pro beleléu...
— Doido, eu? O que eu quero é o meu dinheiro! Ela deixou vinte, mas eram trinta e sete mangos. Na lona ela não estava nem está, pois no dia, você precisava ver, veio toda aprumada, uma belezoca. Vestido rabo-de-peixe, uma sandália de amarrar na perna com salto Anabela, além de muito bem pintada de pancake, ruge e ciliom. Tinha uns brincos grandes de argola, tipo cigana, e um cordão folheado a ouro com um camafeu pingente com o retrato do filho, coitado do menino. Para completar, e enlouquecer qualquer cristão, trescalava fragrâncias de Seiva de Mutamba, sabe lá o que é isso? Mas se desse mato não sair coelho, da parte da bruaca ou do pé inchado, eu não vou ficar aqui bancando o paspalhão, eles que guardem o de baixo. Se ficar na saudade, vou querer tirar uma casquinha, porque, pensando bem, ela está longe de ser um estropício. A morena é tranchã, é do balacobaco; não chego a dizer que minha mãe a quereria para nora, mas se ela parar com os fricotes, aparecer aqui de novo com aquela maldita sandália e me der bola outra vez, garanto que de um jeito ou de outro vou buscar o meu. No prejuízo não vou ficar...
Publicado em "Café e Bar Ponto Chic" - Editora Bertrand Brasil